Carlos Portinho é senador pelo PL-RJ (Foto: Divulgação)

Hoje senador, Carlos Portinho (PL-RJ) passou pelo Fluminense na função de advogado. Foi relator da lei da Sociedade Anônima no Futebol (SAF), que permite aos clubes virarem empresas na parte do futebol. Em entrevista ao NETFLU, tirou dúvidas sobre o assunto. Confira a íntegra!

Antes de perguntar especificamente pela SAF, me tire umas dúvidas: você trabalhou em qual período e desempenhando exatamente quais funções no Fluminense?

 
 
 

— Fui advogado externo contratado. Advoguei até assumir o senado quando me licenciei na OAB. Era contratado do clube para assuntos desportivos. Representei o fluminense em todas as modalidades assistindo ao clube. Estive por lá entre 2017 e 2020, portanto nas gestões Pedro Abad e Mário Bittencourt.

Da a sua proximidade com o Fluminense e o presidente Mario Bittencourt, houve nesse período algum contato do clube para entender melhor a SAF e talvez tentar implementá-la?

— Foram mais de 1600 atores do esporte que foram consultados e participaram das audiências setoriais e públicas. O Mário (Bittencourt) pela nossa proximidade consultei. Num primeiro momento disse ser contra. Quando expliquei que era facultativa a transformação, ele concordou. Como disse é uma transformação cultural e facultativa. Para muitos pode não ser o momento. Para outros como o Cruzeiro, Figueirense etc, uma solução oportuna.

Consegue imaginar clubes como o Fluminense, em curto prazo, já enquadrados na ideia proposta pela SAF? Um clube que vira SAF, caso se arrependa do modelo, não pode mais sair dela?

— É uma transformação cultural. E como toda transformação é lenta. Os casos de sucesso puxarão outros clubes para isso. Não vejo o Fluminense nesse momento mas num segundo. Quando então os grandes clubes perceberem que o seu torcedor da arquibancada também pode contribuir como investidor será difícil evitar essa transformação. Quanto ao Flamengo, Fluminense, Botafogo, Vasco, por exemplo, fosse o caso, poderiam engajar seus torcedores e receber desses investimentos por fundos ou debentures que são controlados pelo mercado e com a segurança da CVM o xerife do mercado.

O Fluminense seria atrativo para investidores estrangeiros se adotasse a SAF? Por que o debate em torno do tema, apesar de parecer uma evolução, é envolvido em tantas questões e dúvidas?

— Sim. O Fluminense tem história e patrimônio esportivo, forma atletas e vende bem, é um dos maiores clubes do Brasil, berço do futebol e clube de torcida de massa. Sim, o Flu seria dos mais interessantes que há para investidores do esporte e outros que na era da sociedade de consumo querem atingir os consumidores de massa que são os torcedores.

— Dúvidas são naturais. É uma transformação da cultura do futebol brasileiro que nasceu como associação civil e assim se desenvolveu, mas como o futebol hoje é um mercado, do esporte e do entretenimento. O Futebol é um produto e tem o seu modelo de negócios próprio. O Brasil não deve perder as oportunidades e as riquezas que giram pelo mundo e mesmo aqui na América do Sul aportam em muitos países. Mas esse é o caminho que o futebol adotou e clubes europeus como na Inglaterra mostram que esse produto com o olhar empresarial é valorizado. Não a toa que nas ultimas Copas do Mundo apenas a argentina chegou excepcionalmente a uma final. Quem adotou esse modelo saiu na frente e mantem a liderança.

Como se pensa a venda dos clubes que têm sócios, mas também dívidas? Existe uma noção de como ficam os direitos dos sócios atuais?

— Os direitos todos são mantidos porque serão sócios do clube. O clube social que terá uma participação na SAF. Que deve reverter em Receita para o clube social. Recursos novos.

Qual a garantia que os clubes não vão se tornar barriga de aluguel, ou seja, apenas vitrine para identificar bons jogadores para negociar, sem maior preocupação com o resultado esportivo?

— Hoje é esse o modelo que vigora antes da SAF. A SAF na verdade resgata o protagonismo dos clubes perdido desde a Lei do Passe. Uma gestão responsável com governança, e modelos próprios empresariais onde há metas e cobra-se resultados desportivos e financeiros é uma transformação cultural que fortalece a agremiação, pois as relações se dão no campo do mercado e o futebol no mundo é um mercado promissor e real com modelo próprio de negócios que, na ausência de um marco legal, o Brasil e os clubes Brasileiros desperdiçam.

Ainda em cima disto, não há o risco de virarem um clube satélite dos gigantes europeus?

— Essa realidade também já há em clubes como associação civil. Concentrado na mão de empresários muitas vezes. Existem vários modelos de negócios para a SAF. Esse é um que acredito para clubes de menor investimento e menor torcida. Clubes grandes não devem se submeter a essa relação porque formam, são mais valorizados e são procurados por vários clubes europeus principalmente e portanto não deve haver concentração de negócios.

Existe uma corrente que entende pela obrigatoriedade do modelo SAF. Qual a sua opinião?

— Erro. Não se faz uma transformação cultural na canetada. São viúvas de um projeto que na câmara assim pensava. Seria ademais inconstitucional porque a liberdade de associação é um direito constitucional. E não resolveria o problema porque para se transformar em empresa o clube tem que se preparar, estruturar e levantar sua divida e seus ativos, fazer um plano de negócios para apresentar ao mercado, estar preparado para essa transformação cultural. Não é porque virou empresa que o investidor será atraído. Devo acrescentar também que há casos de sucesso na gestão de clubes ainda como associação civil que são que não justificaria, ao menos neste momento, a conversão em SAF obrigatória. Há o direito desses escolherem os seus destinos por decisão dos seus associados e não na canetada da lei. São exemplos hoje: CAP, Flamengo, CSA, Palmeiras, Atlético Goaniense entre outros. Implementaram modelos de gestão empresarial mesmo como associação civil e colhem resultados.

Acredita que exista preocupação de dirigentes na conversão para SAF devido aos mecanismos de controle e transparência?

— Sem duvida. Ai esta a grande transformação da cultura dos clubes. Muitos “viciados” no modelo associativo das “igrejinhas” que controlam. Se sentem donos do clube e se colocam muitas vezes como salvadores da pátria. Isso não existe. O clube é sua historia, patrimônio e seus torcedores. Muitos não participam da vida social. Estão nas arquibancadas. A SAF aumenta a participação dos torcedores que poderão passar a torcer e a investir no seu clube de coração recebendo os resultados também financeiros. O instrumento da debenture fut e fundos de investimento que se associarão a SAF certamente permitirá isso, além da capitalização com novos recursos hoje ausentes.

O torcedor tem muita preocupação pela SAF, parte pelo risco de falência dos clubes mal administrados. O que pensa sobre isso?

— Por que ter medo? Qual a realidade de muitos hoje senão essa? O exemplo do Figueirense que esta em recuperação judicial mesmo como associação civil. O risco é o mesmo de qualquer negócio. Da padaria da esquina ao clube empresa. A má gestão pode levar a isso mas com os modelos de controle empresariais que hoje clubes associativos não empregam, especialmente a SAF, cujo modelo é mais complexo, o risco é menor. Inclusive porque o futebol tem a capacidade como negocio de gerar receitas futuras e isso atrai novos investidores. Assim ocorreu em países q adotaram este modelo.

Outra preocupação tem a ver com a perda da identidade história e visual da instituição. Existe forma de uma SAF se proteger quanto à isso?

— Sim. Sobre a historia e patrimônio ainda que o clube social tenha uma pequena participação na SAF, terá pela lei a palavra final. Uma golden share a semelhança. Clubes grandes provavelmente licenciarão a sua marca e disticos a SAF de forma que qualquer problema retorna a ele. Sede, emblema, cores e outras questões históricas patrimoniais têm a palavra final do clube.

Acha que a SAF pode elevar o patamar do futebol brasileiro quanto à competitividade das nossas ligas e proteção contra a saída precoce dos nossos jovens atletas?

— Sem dúvida. Clubes que implementaram modelos empresarias de gestão mesmo como associação civil estão colhendo os resultados. Pagaram suas dividas (como o Flamengo 1 bilhão em 8 anos), estruturaram suas finanças, controlaram suas despesas por alguns anos implementando responsabilidade de gestão, seguraram nesses anos a pressão por resultados, mas agora sobram e se diferenciam dos demais, investem em elencos mais fortes, seguram por mais tempo seus jovens talentos para fazer melhores negócios, e alcançam bons resultados desportivos com melhores elencos do que antes. É isso que o torcedor quer. Na SAF essa é a regra.