Foto: Lucas Merçon/FFC

Roger Machado surpreendeu duas vezes ontem. Primeiro, positivamente. Abriu mão do Wellington e colocou o Luiz Henrique pra começar o jogo. Na minha conta no twitter, antes do jogo, cheguei a comemorar com um “vamos pra cima deles” a mudança na escalação.

Em segundo, negativamente. O Fluminense não foi pra cima em momento algum. A opção do Roger era trazer o River e sair com a molecada pelos lados do campo.

 
 
 

Gallardo, por sua vez, abriu mão de um atacante, vinha jogando com 3 em todos os jogos e optou por mais gente no meio e que daria a ele mais controle do jogo. Uma réplica de um River mais antigo (2019) em que jogava com Perez, Palacios, Nacho e De La Cruz.

E tomou conta do meio campo em todos os momentos do jogo. O River termina o jogo com 541 passes trocados e 67% (65% no primeiro tempo e 69% no segundo) de posse de bola.

O ponto é que os dois treinadores saíram de modelos que vinham adotando até o jogo de ontem. O que mostra o respeito com que o jogo foi encarado por ambas as equipes.

O Flu de Roger jamais jogou com as linhas tão baixas por tanto tempo e com tão pouca posse de bola.

O River de Gallardo, de 2020 pra cá, não é time de rodar a bola e controlar o jogo. É vertical, agudo e pressiona muito a pós-perda.

E foi essa pressão que trouxe enorme dificuldade ao Fluminense até a substituição Nenê-Cazares.

O gol do River nasce exatamente de uma pressão alta em cima do Yago, que, sem opções, carrega e tem a bola roubada, seguida de uma afobação do Marcos Felipe que comete um pênalti infantil num lance morto.

Mas não foi só Yago. Martinelli teve muita dificuldade de jogar também. Muito por conta do vazio que ficou o meio do Flu, apenas com esses dois jogadores, sem o apoio de Nenê, que joga muito lá na frente e, quando volta, prende demais, cava falta demais, num jogo que pede velocidade no passe e com um juiz que não vai dar essas faltinhas.

Como eu venho dizendo em posts anteriores. Com dois jogadores abertos pelo lado, é necessário que os dois laterais e o meia ajudem dando opções de passe e fazendo as conexões pra que essa bola chegue mais limpa nos pontas. Nada disso ocorreu ontem até a saída do Nenê.

O River fez o gol e controlou o jogo como quis. Lembra da cultura da reatividade do post passado? Foi exatamente o que aconteceu no primeiro tempo. Um gol logo no início e o Fluminense continuou exatamente com a mesma postura. Lá atrás esperando um escape, uma bola parada, aquele jogo que o torcedor se acostumou desde o ano passado.

E esse escape veio. Sem ideias, restou a personalidade de cada um pra tentar resolver o jogo. E aí aplausos pra Kayke e, principalmente, Luiz Henrique. Que jogo enorme esses moleques fizeram! Não se intimidaram, foram pra dentro o jogo todo, pena que sempre isolados, com um, dois, três marcadores em cima.

Numa dessas Luiz Henrique carregou, levou em cima de três e meteu uma bola linda, limpa no pé do Nenê sozinho na entrada da área. Bola pra dominar, ajeitar e fazer a única coisa que ele sabe e que o mantém como titular, bater na bola, mas com a ansiedade de um novato se apressou e bateu de primeira longe do gol. Só imaginem, por um momento, o primeiro tempo com Wellington no lugar do Luiz Henrique. Simplesmente não ia ter jogo. O que mostra, mesmo num modelo extremamente reativo, o acerto do Roger.

E o primeiro tempo acaba sem que o Fluminense ameaçasse o River, que já ganhava de 1 a 0. O cenário não mudou nada no segundo tempo. Roger inverte Kayky e Luiz Henrique e mata ainda mais o primeiro. Kayky tem muito mais dificuldade que o Luiz pra fazer o lado esquerdo. E Roger faz uma intervenção muito certeira.

Gabriel e Cazares nos lugares de Kayky e Nenê. Gabriel, descansado e mais forte fisicamente, ajuda demais o Egídio e ainda consegue puxar contra ataques, mesmo ainda pecando muito na tomada de decisão. A velocidade e o arranque que Kayky já não dava foram repostos.

E tudo o que o Nenê não deu, Cazares fez. Cazares está fora de forma, é bom pontuar. Mas é jogador de meio campo. A bola anda com ela. Domina, toca. Domina, toca. O jogo passa a andar. O Fluminense passa a ter um meio campista que dá ritmo, que pensa, para, olha, segura e acelera quando preciso. E o time melhora muito.

Antes do gol de empate. Marcos Felipe salva o Fluminense da derrota com uma defesa espetacular. Seria a última chance do River no jogo (foram apenas duas).

E olhem como o futebol é sempre um jogo de escolhas. O River muito preocupado com o lado do campo (por onde o Flu tentava jogar) dobrava ali a marcação e o meio ficava com espaço pra ser aproveitado.

Fred e Cazares perceberam isso. Fred busca uma bola no meio, olha o Cazares, dá e já sai voando pra dentro da área. O meia mais uma vez domina e pimba, deixa o Fred em em boa condição pra chutar, mas de canhota. Qualquer jogador ali, com a bola caindo na perna ruim pro chute, tentaria dominar, ajeitar.

Mas Fred não é qualquer jogador. Fred é especialista. O homem do último toque. Do toque final. Do toque perfeito. De canhota, rasteiro, no canto, sem chance pra Armani. Saco. Golaço. De artilheiro, de centroavante, de quem tem uma história gigante no clube e vem mostrando comprometimento, liderança positiva, desde que voltou ao Flu.

Com Fred e Luiz cansados. Roger troca de novo. A ideia era manter o time ali atrás e aproveitar uma brecha. Pro que tinha no banco, de novo, Roger foi coerente. Com Martinelli e Yago muito sobrecarregados, Gabriel, Lucca e Abel descansados ajudariam a manter o sistema defensivo funcionando. E ajudaram.

Na linha de 4 atrás (Calegari, Nino. Claro e Egídio) não havia necessidade de mexer. Os laterais fizeram uma partida muito correta defensivamente e a zaga é uma das melhores do continente. Nino e Claro jogam pra caralho, não há outra palavra.

Ainda deu tempo da vitória sorrir pro Flu. Em mais um passe espetacular do Cazares, Lucca sai na cara do gol e demora demais pra chutar. Numa outra jogada Armani defende um chute lindo do Cazares que entraria no ângulo.

O jogo acaba com uma sensação de que dava pra ter vencido. O Fluminense é menos time que o River. Isso é visível.

E o que um time que é pior que o outro precisa fazer mais que seu adversário? Dedicação, entrega, envolvimento com o jogo. Nesses quesitos, o Fluminense goleou o River. E terá que ser assim nos 12 jogos que faltam pro título.

Foi 1 ponto conquistado num grupo que será muito equilibrado. A estratégia encontrada pra jogar contra um time muito mais forte acabou funcionando no sentido de que, em termos de chances de gol, houve equilíbrio.

Agora é pensar nos colombianos. Times bem mais fracos que o River e até que o Fluminense. E, nesses confrontos, pra vencer, o Fluminense precisará de mais instrumentos do que apresentou ontem e uma nova ideia, mais ousada, mais agressiva.

O campo falou alto ontem. Resta saber se haverá coragem pra fazer o que é certo e barrar quem deve ser barrado.

Coragem, peito, culhão, não só dentro de campo, mas fora dele também pra tomar as decisões corretas. É assim que se chega longe na libertadores. Faltam 12 jogos.