Protesto de tricolores no Engenhão antes de Flu x Sport (Foto: Felipe Siqueira/GE)

Em setembro do ano passado, a torcida Força Flu estendeu uma faixa no Engenhão. Os dizeres: “Fora, Odair! Fora, Angioni”. Durante a transmissão da partida o telespectador não pôde vê-la aberta. Alguém mandou que a ambulância, que fica de prontidão em todos os jogos, saísse de seu lugar tradicional e se posicionasse exatamente em frente à faixa.

Alguns sites independentes que cobrem o clube noticiaram o fato. A repercussão foi mínima.

 
 
 

No último sábado, no mesmo estádio, esses mesmos sites noticiaram algo ainda pior: a retirada de outra faixa – que pedia apenas a saída de Paulo Angioni – dessa vez colocada por outra torcida organizada do clube, a Fiel Tricolor. Há registros fotográficos da faixa colocada na véspera e retirada antes da bola rolar.

Novamente, a repercussão foi mínima.

Meus amigos, a arquibancada é o lugar mais sagrado do futebol. Mais sagrado, inclusive, que o campo de jogo. O espetáculo existe em função dela.

Os estádios de futebol são lugares de disputa social. Há muita gente querendo que o povo não os frequentem. Sem nos darmos conta, nós, os torcedores, estamos perdendo a briga. De goleada.

Em alguns locais as bandeiras já foram proibidas, nosso pó de arroz, apesar de liberado judicialmente, encontra os mais variados entraves a cada vez que a torcida quer levá-lo. É ministério público, é polícia, é cartola. Devagar e sempre, num processo metódico e silencioso, o povão vai sendo afastado dos degraus dos estádios.

Não é acaso, é projeto.

Foi-se a geral e a arquibancada que restou é cada vez mais excludente. O futebol cruzou o tempo e chegou no conceito perseguido pelos donos do jogo: é mais negócio que esporte; mais cifra que gente.

Um Careca, provavelmente o maior torcedor da história do Fluminense, simplesmente não existiria nos dias de hoje. Seria recolhido por algum segurança privado antes mesmo de se encher de talco. Provavelmente sob os olhares amorfos da maioria dos torcedores atuais. Seria tirado por excêntrico, ou louco.

A arquibancada é zona sagrada. Ali deveriam mandar os torcedores. Tudo o que é legal deveria ser permitido (vejam que tristeza ter que escrever obviedades) nesse que talvez seja o maior exemplo de diversidade, de encontro, de multicultura do povo brasileiro.

Mas a gente vai deixando. “Talvez não seja tão grave assim”, “São os novos tempos”.

Será? São?

As distopias costumam carregar em si um grande problema: tendem a piorar se não forem combatidas.

E aí a gentrificação vira repulsa, o recolhimento das bandeiras vira ganho de visão do campo e a ausência do pó de arroz vira roupa limpa na volta pra casa.

Imagina… Se sujar num estádio de futebol?

Os casos das faixas, contudo, representam o último degrau da perversidade com o torcedor: já tiraram-lhe quase tudo. Faltava a voz.

E desta vez não são os engravatados do Ministério Público, nem os fardados das polícias, quem faz o trabalho sujo é justamente quem também tem a missão precípua de zelar pela continuidade do próprio futebol.

Mais que bola na rede, mais que títulos levantados, o maior patrimônio desse tal de futebol é a paixão.

E as paixões são viscerais. Certeiras, descalibradas, justas ou não, não importa.

Quando a diretoria de um clube proíbe que a arquibancada grite (e a faixa é um grito que pode ser calado), vocês podem ter certeza de que está rompido qualquer elo de respeito na relação clube e torcida.

Retirar do torcedor o seu direito de se expressar pode ser comparado, às avessas, com o ato do torcedor invadir o gramado e embolachar o centroavante pereba. Ou subir na tribuna e enfiar o dedo na cara dos dirigentes.

Não deixar o torcedor falar (ou escolher o que ele pode dizer, não importa), é uma bolacha na nossa cara, o dedo em riste contra a gente.

É censura, amigos. Não tem eufemismo aqui. Censura. Sórdida censura, certamente justificada pelo frase que consigo ouvir a cem quilômetros de distância: “Tira, para não tumultuar o ambiente”. Ou talvez: “Essa politicagem aqui, não. Tira”, o que nem me parece o caso, mas que também não importa. Ou é proibido fazer política numa arquibancada de estádio de futebol?

Vocês certamente já ouviram falar em lugar de fala. A arquibancada não é lugar de fala de dirigente. Ela é do torcedor, e é ele – e só ele – apaixonado que é, que sabe se o momento é de vaiar ou aplaudir, cobrar ou entoar músicas de apoio.

Se aproveitar do espaço vazio de cada cadeira do estádio em época de pandemia para escolher o que fala o torcedor é censura.

E é mais que isso: é covardia num grau absolutamente imperdoável.

Senti vergonha pelo Fluminense. E saudade também.

Desculpem o tema, amigos, mas ele é mais importante que a bola entrando ou saindo. Espero que compreendam. Abaixo, em vídeo, minha explanação sobre o tema no NETFLU na Rede da última segunda-feira, dia 18 de janeiro.

E em tempo: Fora, Angioni!