Foto: Mailson Santana - FFC
Esse texto retrata, infelizmente, a realidade do futebol brasileiro em geral. E nele cabe o Fluminense que segue há muito tempo (o mesmo em que está sem ganhar título importante) a fórmula do fracasso de quase todos os clubes.
E a fórmula é simples: Começa o ano com um treinador e na primeira sequência mais difícil em termos de resultado, ignora todo o trabalho feito até ali e interrompe. E não importa se o trabalho é ou não promissor, se o treinador tem ou não uma metodologia e um modelo que façam sentido para o clube, se o grupo gosta ou não do cara, se, na avaliação dos gestores, esse trabalho tem chance de evoluir.


Pressionados por torcedores, conselheiros e um sem número de corneteiros e numa época em que a rede social deu voz a todos eles, é muito raro um gestor resistir à pressão e manter um trabalho.


O Fluminense chegará ao final desse ano numa situação absolutamente esdrúxula: Na atual gestão, o auxiliar terá sido a pessoa que dirigiu o time por mais tempo. O core business do Fluminense foi tocado em sua maior parte do tempo pelo auxiliar técnico. Isso parece razoável?


E, vejam bem, não é nada contra o Marcão. Se a gestão entendesse ser o Marcão o nome indicado para o trabalho de médio e longo prazo e comunicasse isso de forma clara e com bons argumentos, que desse a ele esse tempo. Mas não entende, tanto que vive num looping de começar um trabalho, trocar esse trabalho no início, levar até o fim com seu auxiliar e trocar de novo…


De uma vez por todas a gente precisa entender: Trabalho interrompido não deu certo e nem errado. Só nessa gestão (e isso vale pra todas) Diniz, Oswaldo, Odair, Roger e Abel, cada um por seus motivos, todos interromperam seus trabalhos antes de dar algum fruto. Processos interrompidos, metodologias deixadas de lado, uma identidade, nada disso o Fluminense conseguiu.


E essa não é uma crítica pessoal ao presidente Mário Bittencourt. Mário é ao mesmo tempo fruto desse meio e refém de uma cultura de moer treinador que se estabeleceu no país. É mais fácil interromper, gera menos desgaste, pressão.
Se a gente parar e se debruçar no trabalho de um treinador percebe as dificuldades.


O cara chega num clube. Raramente o dirigente sabe o que quer. Aliás sabe, ele quer 3 pontos quarta e domingo. Ele quer taça. De preferência, no curto prazo.


E o cara tem um grupo ali com um monte de jogador que ele sequer escolheu. Nesse grupo há os líderes, há os caras em que o clube fez um investimento maior e é natural querer que o cara jogue, há os que estão insatisfeitos aguardando uma oportunidade. Isso só pra falar do ambiente interno.


Externamente, há uma torcida que passa 24 horas em rede social determinando (sem a menor humildade) qual o melhor treinador, melhor esquema, como o time deve se comportar, quem deve ser escalado e, caso não seja feito exatamente como ela quer, dependendo do grau de influência (e essa influência existe), já está havendo pressão no dia 1 do cara.


E por favor, não cabe aqui nenhuma restrição à opinião de quem quer que seja. A crítica é que pessoas sem vivência ou estudo não podem influenciar quem gere futebol.


E voltando ao treinador. Ele também chega com suas convicções. Nos primeiros jogos vai tentar juntar sua convicção, com gestão de grupo, vai tentar colocar pra jogar aquele jogador que mereceu um alto investimento. E isso dura rodadas, meses. Não é no tempo do torcedor, porque o torcedor escala um time e isso não gera consequência, o treinador escala 11 e precisa lidar com insatisfação de outros 20, 30 atletas, empresários e até dirigentes.


Quando acerta rápido é ótimo. Mas nem sempre é assim, ainda mais em clubes de baixo investimento. E quando o cara resolve mudar, já está pressionado e, claro, não tem mais tempo, o trabalho já está com os dias contados.
Especificamente, no Fluminense, é assim há muito tempo. E nunca deu resultado. Aliás deu, quando o Fluminense deu ao Abel metade de 2011 e um 2012 inteiro e havia um patrocinador forte por trás que pode trazer jogadores e atacar carências na virada do ano, junto com um cara que já conhecia as carências e o elenco.


Não há mais patrocinador. Mas dar um tempo pra um trabalho de médio/longo prazo se renova a cada contratação.


O futebol (há diversos livros que tratam disso) é processo. Klopp, um gênio, demorou 4 anos pra transformar o Liverpool numa máquina de jogar futebol. 4 anos, a cada ano, mudou o elenco, trouxe jogadores, vendeu jogadores que não se adequavam ao modelo e foi construindo, melhorando. Teve uma temporada passado muito difícil e ninguém pensou em interromper o trabalho. Está aí, de novo, com uma nova máquina.


Já escrevi sobre isso aqui. Foi contratado pelo Borussia quando foi rebaixado com o Mainz. Nos 2 primeiros anos de Borussia (até construir outro timaço) sofreu pra dar resultados.


Não há mágica pra se formar um bom time. A única mágica desse jogo é que ele permite que mesmo times não muito bons vençam, ainda mais em cenários onde quase ninguém é bom.


O futebol viveu muitas revoluções nos últimos anos. E o Fluminense, como instituição, ignorou quase todas.


Desde 2012 ninguém faz trabalho de médio/longo prazo no clube e, olha que coincidência, ninguém deu resultado, nem em mata-mata, principal meta do clube por ser de mais fácil acesso.


Será que mudar esse modus operandi faz sentido? Pra mim faz todo.


Diniz foi o primeiro treinador do Mário. Diniz volta ao clube depois de um rodízio de treinadores. A quantidade de tempo que a gente perdeu, processos e metodologias que deixamos de vivenciar, evoluir, elencos que poderíamos ter planejado adequando características de jogadores ao modelo proposto. A gente não construiu nada e poderíamos ter um trabalho de 4 anos.


Diniz é o “burro” da vez. Chega na pior sequência da temporada. Ou dá sorte (será sorte se vencer porque não haverá tempo pra trabalho) ou daqui a 1 mês será o próximo “burro” a ser mandado embora.


TABELINHA


– Cabe também aqui um mea culpa. Nesse espaço desde 2014, muito provavelmente há textos meus ou postagens minhas em redes sociais contradizendo tudo o que eu estou escrevendo nesse momento. Mas alguns livros e alguns cursos mudaram completamente minha forma de ver futebol.


– O texto não é uma defesa ao Diniz, cujo trabalho considerava muito promissor em 2019 e tenho zero problema de defender isso. Debater Diniz nesse texto é fugir do seu escopo. O texto é uma defesa a crer no trabalho, na evolução, na avaliação constante, no controle, sem começar todo ano do zero. Não faz sentido, seja com Diniz, Odair, Abel ou quem quer que seja.


– Vou falar mais sobre no NETFLU na Rede nesta segunda (02/05), nossa resenha semanal no canal do NETFLU no youtube. Espero por vocês lá, às 20h!


Saudações Tricolores!