O que nos leva a amar o Fluminense?

Ainda muito menino fui tragado pelo repertório imaginário do futebol, pelo que o futebol representava como explicação do mundo incompreensível que se impõe à criança. Um mundo com realidades exterminadoras de nossas representações infantis, que só se mantêm distantes de nós pela via segura da imaginação. Há poucas saídas para as apreensões que tomam a criança quando a realidade ainda impalpável nos toca com seu véu assustador. Nenhuma, entretanto, reúne tanta carga simbólica e passional como se apaixonar por um clube de futebol. Foi assim comigo. O futebol se instalou em minha vida de forma avassaladora e irreversível. E o agarrei como o menino que escolhe seu melhor sonho para fazer dele seu abrigo e motivo. O tempo não mitiga esse sentimento, talvez o torne diferente pelo que vamos acumulando em nossa tarefa de ir vivendo, mas sempre será forte e irrenunciável.


 
 
 

Não foi difícil me apaixonar, já que me apaixonei desde o início pelo Fluminense, um clube por natureza apaixonável. O Fluminense reúne em si o profeta e o livro da religião futebol brasileiro. Ele é a origem, o caminho e a glória; o velho e o novo testamento; a gênese, os salmos; jamais o apocalipse. O Fluminense criou em sete dias o futebol brasileiro: Álvaro Chaves, o Paraíso; Oscar Cox, o profeta; a Seleção Brasileira, a fuga do Egito. Quando houve a defecção do Judas rubro-negro, Oscar, depois de comer o pão, pontificou: “Satanás entrou nele. O que você está para fazer, faça depressa”. E foi feito, e até hoje somos o seu castigo.

Amei de pronto o Fluminense chorando na banca do Salvador, o jornaleiro tricolor da Avenida Rui Barbosa, a figurinha carimbada do Telê, linda em suas três cores, que completava meu álbum no imemorial 1960. Foi fulminante. Hoje, quando lembro daquele dia pela janela tépida, esfumaçada, de minha memória, guardo um carinho de um filho nascido na manhã de um dia lindo no último corredor de uma maternidade de luz tímida, contrastando com o choro libertador da vida renovada. Renasci ali, como renasci em cada filho. Sou grato ao Fluminense por jamais me abandonar em minhas mais excruciantes dores, em meus mais esplendorosos momentos de felicidade. Assim são os bons amigos, solidários na dor e na alegria. Recebi do Fluminense muito mais do que pude lhe dar, muito mais do que sonhei dar. Sou-lhe organicamente grato.

Quando vejo o Fluminense, como agora, precisar de todos nós, vem-me de imediato o impulso solidário, o desejo de protegê-lo. Ao protegê-lo, sou essencialmente egoísta, pois estou me protegendo antes de tudo. Que nenhum infiel ou oportunista se sirva deste momento para dele tirar proveito pessoal ou político. O Fluminense é imensamente maior que um quarteirão de bairro, Ele é supradimensional, Ele pulsa em milhões de almas dedicadas à sua paixão em cada cidade ou grotão brasileiros. Ele irá contar comigo, incondicionalmente.

Tão logo atravessemos o Rubicão de nossos piores temores, voltemos nossos instintos de proteção para os que irresponsavelmente nos fizeram voltar para a outra margem do rio.

Agora é o Fluminense, porra!