Desde a construção das novas arenas, o brasileiro teve de se habituar a novas formas de torcer. Algumas delas, na marra. Na Copa do Mundo de 2014, por exemplo, alimentos, de qualquer espécie, não eram permitidos nos estádios, uma iniciativa que feriu a decisão do Superior Tribunal de Justiça de janeiro daquele ano, que proíbe estabelecimentos comerciais de barrarem entrada de alimentos. Dois anos depois, isto ainda em ocorre em vários locais pelo país e irritou torcedores do Fluminense que estiveram no Kleber Andrade, no último domingo.

O servidor público Frank Bermudes, de 38 anos, deixou Linhares, interior do Espírito Santo, e percorreu cerca de 143 km com a criançada para assistir à vitória sobre o América-MG, em Cariacica. Embora tenha saído feliz do reformado estádio capixaba, o torcedor, ao chegar no local, teve de passar por uma situação constrangedora com filhos e sobrinhos.


 
 
 

– Chegamos lá com a mochila cheia de biscoito, pacote de chips e compramos água mineral para entrar no estádio. Jogo às 11h não tem nem como almoçar. Mas a segurança já foi barrando, dizendo que água não poderia entrar. Achei absurdo, mas tudo bem. Mais a frente, a mulher já mandou abrir a bolsa, normal, tem de revistar de mesmo. Mas ela foi pegando e jogando tudo no chão, dizendo que comida não poderia entrar. Squeezes, pacotes de chips, biscoito, amendoim, tudo pelo chão. Isso aconteceu com todo mundo. Não poderia entrar por uma questão comercial do jogo. Era obrigado a consumir lá dentro uma pipoquinha de seis reais. Absurdo – narrou Frank, em entrevista ao NETFLU.

Contrariado, o torcedor pretende buscar seus direitos na Justiça:

– Vou entrar com uma ação. Está no CDC (Código de Defesa do Consumidor) que eles não podem impedir a entrada de alimentos para poder concorrer com produtos dele. E outra, não colocaram nenhum aviso que existiria essa proibição na entrada do estádio. Cobram um valor altíssimo de ingresso e veda essa entrada de pacotinhos de biscoito ou barra de cereal. Esse preço ainda influencia no público presente. Foram sete mil pessoas, cara. Vitória tem muito tricolor. Em 2012, fecharam um bar em frente à Universidade Federal do Espírito Santo. Rapaz, não passava nada, um mar de tricolores. Mas você coloca o valor de R$ 120, é absurdo, cara. Tive de comprar três jornais para pagar meia. Os meninos não pagaram, pois tinha gratuidade até 12 anos. Mas o preço é muito alto. O clube, quando vende o jogo para uma empresa, poderia estipular um teto de ingresso, né? – indagou Frank Bermudes.

No entendimento do advogado Bruno Lemos, especialista em Código de Defesa do Consumidor, o torcedor tem razão. O caso, para ele, se configura como venda casada, prática proibida.

Segurança privada do estádio fez torcedores descartarem vários alimentos (Foto: Frank Bermudes)
Segurança privada do estádio fez torcedores descartarem vários alimentos (Foto: Frank Bermudes)

– O objetivo principal de um estádio não é vender alimentos, mas fornecer ao torcedor um jogo de futebol. Mesma coisa o cinema. A função principal dele é entretenimento, não venda de comida. Por isso você pode muito bem entrar com comida nas salas. Estádio é a mesma coisa. Então, segundo o Código de Defesa do Consumidor, nenhum torcedor poder ser barrado por entrar com alimentos. A meu ver, o que aconteceu foi venda casada. Porque ele distorce a função principal do estádio para obter um lucro maior. Restringe você de levar um amendoim que custa R$ 2 para comprar lá por R$ 8. Restaurante é diferente. Não posso ir no restaurante X e comer a comida do Y. Não é o caso do estádio ou do cinema. Então, esse torcedor poderia entrar com uma ação por dano material e, principalmente, moral, pois deve obter êxito – explicou o advogado.

Mas segundo Bruno Lemos, o Fluminense não poderia ser responsabilizado diretamente pelo dano aos torcedores.

– A ação teria de ser feita contra a administradora do estádio. Ela seria a principal responsável. Colocar o Fluminense como responsabilidade solidária não é uma matéria forte. Eu colocaria a administração do estádio, que foi quem proibiu, toma conta do aparato de segurança e estipula o que pode ou não entrar. Até porque o Fluminense não tem ingerência sobre isso. Eu colocaria na Justiça somente a gestora do estádio, mas tem advogado que colocariam os dois.

Para Cláudia Galdino, diretora jurídica do escritório da renomada advogada desportiva Gislaine Nunes, o fato de não haver orientação quanto ao que poderia ou não ser consumido pelo torcedor é um agravante para o promotor do evento.

– Se não tinha esse aviso, essa orientação para os torcedores, ele pode sim buscar os seus direitos, e aí falo baseado em provas, com certeza, testemunhais para buscar o ressarcimento desse dano, pois foi na frente das crianças e houve todo um constrangimento.  O Estatuto do Torcedor é bem omisso, não fala sobre o que deve ou não ser levado para os estádios, o texto trata apenas da qualidade dos produtos e da não excessividade dos preços. Então, neste caso, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor – reforçou Cláudia.

Procurado pela reportagem do NETFLU, Fernando Barros, administrador do Estádio Kléber Andrade, vinculado à Secretaria de Esporte e Lazer do Governo do Estado do Espírito Santo, informou que toda a operação deste e outros jogos no local é da responsabilidade da empresa contratante.

– A gente só aloca o estádio. Tudo é por conta da empresa, desde a entrada, fiscalização. A única coisa que a gente faz é alocar o estádio para o empresário. O que não podemos deixar entrar aqui são latinhas e garrafas d’água por uma questão de segurança. Quem faz os jogos todos do Rio é a “Camisa 10”, empresa do Roni. A única coisa que cobramos é o valor da taxa, muito barata até, de R$ 12.133,33 e eles exploram como quiserem. Bar, vigilância privada, roleta, venda de ingressos tudo por conta do promotor do evento.

Empresa de Roni organiza jogos dos cariocas fora do estado do Rio
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Roni se defende. O ex-atacante diz que nenhum dos novos estádios permite a entrada de alimentos. Ele não soube precisar de quem é esta recomendação, mas a segue. Além disso, nega influência no valor elevado dos mesmos dentro das arenas.

– Não é permitido entrar com alimentos. Isso não sou eu. É a PM que não deixa, a CBF que não deixa. Por mim, poderiam entrar. Entendo o torcedor, mas, infelizmente, não foi minha empresa que criou essa regra. E não é só em Cariacica. Se você for no Mané Garrincha, no Maracanã, não deixam entrar com alimento. Se você for num jogo da seleção brasileira no Maracanã, por exemplo, você não consegue entrar com alimento. Te garanto. No Campeonato Brasileiro é impossível entrar com alimento nos estádios. O torcedor fica obrigado a consumir dentro do estádio. Sobre os valores, quem define é o dono do bar. Cada estádio tem uma empresa que é dona do bar. Quando eu organizo uma partida eu terceirizo o bar, que faz a operação. Eu não faço o bar, só a questão da bilheteria. O cara me paga um extra para poder assumir o bar. Então fico bem tranquilo – falou Roni ao site número 1 da torcida tricolor, despreocupado com uma possível ação:

– Se ele (torcedor) entrar na Justiça, só se for contra o Fluminense. Eu só organizei o jogo. O mandante era o Fluminense. Então, ele vai ter que entrar na Justiça contra o próprio clube.

O NETFLU tentou contato com o Fluminense, mas desde 20 de julho nenhum dirigente está autorizado a dar entrevistas para o portal.