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Que não haja qualquer dúvida na cabeça dos nossos torcedores: a presente eleição é, essencialmente, um plebiscito sobre a atuação da Flusócio no clube que tanto amamos.

 
 
 

Antes de escrever sequer mais uma linha, esclareço que o surgimento da Flusócio, no período que antecedeu a primeira eleição de Peter Siemsen, foi importante para o desenvolvimento do clube – até então sem muita vida política e com o destino nas mãos de velhas lideranças e, ainda mais grave, de poucos eleitores. Como jamais escondi, me tornei sócio do clube há mais de sete anos motivado justamente pelas primeiras campanhas de mobilização da Flusócio. Era importante ter mais gente votando nas eleições para tentar uma transformação no clube. E foi pensando assim que eu e centenas de outros torcedores viramos sócios para tentar virar o destino das eleições. Conseguimos.

Entretanto, nem toda história com um belo começo tem um desfecho feliz. A partir do final do primeiro mandato de Peter começaram a surgir sinais bem claros de que a Flusócio passara a ter outro objetivo, o que só escancarou-se ainda mais no segundo mandato. Muitos de seus membros fundadores, talvez mais da metade, deixaram o grupo exatamente por discordar desse objetivo. Que objetivo? Ora, um dos mais ancestrais na história da política, seja a política das nações, seja a política clubística: a perpetuação no poder. Hoje, olhando retrospectivamente para o movimento que surgiu com tão nobres propósitos, fica claro para mim que essa sede de poder a qualquer custo já estava no DNA de boa parte das pessoas que decidiram permanecer no grupo apesar de tudo. Todos são assim? Claro que não. Tenho alguns amigos que ainda estão na Flusócio, embora esses amigos se mostrem cada vez mais exauridos pelo clima de belicosidade irracional e permanência no poder mesmo que ao custo de princípios e valores.

Não é difícil entender a cabeça do típico torcedor que se junta a um grupo assim puramente em busca de poder. São pessoas comuns, um analista de RH, um gerente de CPD, um funcionário de estatal com tempo livre para tuitar freneticamente, um militar reformado, um modesto profissional liberal, talvez um chefe de torcida. Gente que nunca ocupou posições relevantes no mundo empresarial, gente que sempre sonhou com coisas grandiosas, gente que passou a vida querendo comandar e que, de repente – por conta do espaço que foi dado por um presidente inseguro, claudicante, incapaz de peitar o grupo que o levou ao poder e que em função disso governa sob a tutela do mesmo – se viu diante da extraordinária possibilidade de estar no controle de uma instituição gigantesca como o Fluminense Football Club.

Falando assim, as coisas podem soar até poéticas, mas há um abismo do tamanho do mundo entre querer liderar um grande clube e efetivamente poder liderar esse clube. Não por outra razão, mesmo com vários diplomas de graduação e pós-graduação e tendo ocupado posições de diretoria de grandes empresas nacionais e multinacionais pelos últimos 20 anos e muitos anos atuando como cronista esportivo, eu não me julgo em condições de sequer cogitar o comando de uma entidade com a complexidade do Fluminense. Infelizmente, nem todos têm capacidade de compreender suas limitações – e é papel de um bom presidente não dar poder a quem não tem condições de exercê-lo. Eis aqui o maior erro de avaliação de Peter.

O grande publicitário escocês David Ogilvy contou em um livro de memórias uma história muito ilustradora. Certa vez, ao participar da concorrência por uma grande conta, ele se viu diante de uma sala com uma dezena de executivos. Um deles, responsável por organizar as apresentações das agências que disputavam a conta, foi logo dando as instruções: “Vocês têm 45 minutos para fazer a exposição e, esgotado o tempo, eu tocarei esta campainha e a apresentação terá de ser imediatamente interrompida”. Ogilvy aproveitou a deixa e fez uma pergunta: “Qual de vocês aprovará as campanhas que apresentarmos?”. O executivo foi enfático: “Todos nós. Cada executivo tem a mesma voz nas decisões da companhia e todas as decisões precisam da aprovação de todos”. Ao ouvir isso, o publicitário se levantou e disse: “Então o senhor pode tocar a campainha” – e saiu da sala. Refletindo sobre esse episódio, Ogilvy observou: “Jamais aceite uma conta sem que ela tenha um líder claro. Clientes de sete cabeças apresentam problemas insolúveis”. Graças à Flusócio, o Fluminense se tornou um clube de 200 cabeças, mil problemas e dez mil decisões erradas.

Em 2011, Peter recebeu um clube campeão brasileiro, disputando a Libertadores, com o maior patrocinador máster do país e a maior fornecedora de material esportivo do mundo – mas deixará o clube sem qualquer chance de título brasileiro nos últimos anos, sem vaga na Libertadores, sem patrocinador máster, sem fornecedor de material esportivo e com um rosário de calotes. Esta frase já seria suficiente para resumir a gestão amadora da Flusócio. Mas a tragédia da gestão de 200 cabeças deixou outras e imensas sequelas.

Graças às pressões de um grupo em constante divergência (exceto quando o assunto é a permanência no poder), o Fluminense se tornou um dos clubes que mais troca de técnicos no mundo. Além disso, por conta de um sem número de trocas de comando em uma área crítica como o marketing, que hoje tem gestão absolutamente amadora, não conseguimos avançar no programa de Sócio Futebol, somos incapazes de fechar um contrato decente ou mesmo lotar um estádio. Os lamentáveis posts do clube nas redes sociais e a camisa branca sem a marca dos (poucos) patrocinadores usada por nossos jogadores no momento nobre das entrevistas dos intervalos dos jogos são apenas pequenos exemplos do câncer do amadorismo na nossa gestão. Cada departamento do clube, de Esportes Olímpicos à Contabilidade, da área de Patrimônio à gestão de TI, certamente poderá contar outras histórias igualmente constrangedoras.

Tudo isso seria menos triste se o assunto que é a essência e o sobrenome do nosso clube – o futebol – estivesse em condições minimamente aceitáveis. Não preciso recordar a crônica que postei aqui sobre a padaria que acha que faz tudo bem, menos pão. Da mesma forma, a Flusócio parece pensar que futebol é um mero detalhe e tenta nos fazer crer que o que realmente importa é fechar acordos de refinanciamento de dívidas vencidas ou a construção de um centro de treinamento com dinheiro que um mecenas emprestou a juros competitivos (e que agora precisa apoiar o candidato do grupo, sob risco de levar calote). Enquanto isso, no assunto que nos interessa, já que ninguém é torcedor do clube por causa de sua sala de contabilidade, mas por sua sala de troféus, a situação é caótica.

Mandamos embora o maior ídolo do clube das últimas décadas (Fred) e o principal reforço da temporada (Diego Souza) para prestigiar um técnico piadista e sem qualquer respeito pelo clube. No final, Levir Culpi foi demitido por questões eleitoreiras, enquanto Fred e Diego Souza são nada menos do que os artilheiros do Brasileirão. Para o lugar de Fred, contratamos um jogador pelo dobro do preço e que hoje é o quarto reserva do ataque. Para o lugar de Diego Souza, um monte de jogadores fracos e caríssimos, dos quais só se salvou o ótimo Wellington. Todos os demais já estão ou mereciam estar no banco. O maior absurdo é que usaram o argumento da austeridade financeira para entregar Fred para o Atlético-MG, embora poucas semanas depois o clube tenha contratado esse monte de jogadores com salários que, somados, devem custar quatro ou cinco vezes o que ganhava o ídolo – alguns para a próxima temporada.

O aspecto mais grave – e esta é a razão de ser deste texto – é que a Flusócio não parece disposta a mudar em nada sua forma de gerir o clube. Na atual eleição, mais uma vez, eles nos propõem o voto em um presidente sem força, sem conhecimento de futebol, sem carisma e sem voz firme junto a torcedores e jogadores. Para piorar, o candidato do grupo para esta eleição também chegaria sem poderes para representar o clube junto a patrocinadores como a Caixa e para negociar junto ao governo temas como o Maracanã, o terreno para o estádio e o financiamento de nossas dívidas tributárias. Como cúmulo do absurdo, parece que o referido candidato não poderia se licenciar de seu cargo público, o que o obrigaria a ser uma espécie de presidente part-time. Ou seja: um prato cheio para que os 200 palpiteiros continuem buzinando suas pretensas verdades nas orelhas de um preposto que, pressionado, certamente cometerá os mesmos equívocos de Peter Siemsen.

O Fluminense – o nosso Fluminense, não o Fluminense que um grupo decidiu por nós como deve ser – precisa urgentemente de um líder. Um líder que saiba ouvir opiniões, mas que não morra de medo delas. Um líder que tenha capacidade de peitar os Euricos e Rubinhos da vida. Um líder que, pressionado, não fale no dia seguinte o oposto do que falou na véspera. Um líder que seja respeitado pelo elenco e que reconquiste a confiança dos patrocinadores. Um líder que saiba o valor de bom marketing e da tão importante experiência do torcedor nos estádios e fora deles. Um líder que, depois de tantos calotes que levamos – com Mate Vitton e Dryworld luzindo suas marcas em nosso uniforme sem pagar pela maior parte do tempo –, saiba escolher melhor nossos parceiros. Um líder que não fique engasgado diante das câmeras, que fale grosso, que não fuja dos debates, que não fuja dos confrontos, que não fuja das brigas, que sempre foram e sempre serão muitas. Um líder que deseje um Fluminense com alma, coração e títulos, muito além de um Fluminense de planilhas eletrônicas e construções de concreto.

Vou falar sobre esse líder na coluna da próxima semana, mas acredito já ter deixado bem claro que ele não atende pelo nome de Pedro Abad. Nada contra a pessoa, tudo contra a tentativa da Flusócio de se perpetuar no poder através de líderes que permitam ser liderados por eles, em vez de liderá-los. Peço desculpas pelo texto longo. Espero que ele seja capaz de provocar uma longa reflexão em leitores e eleitores. Esta eleição é, como disse, um plebiscito sobre a continuidade do modelo de (in)gestão da Flusócio. Um projeto de poder que se tornou vazio e precisa ser interrompido.

Que, uma vez derrotado, o grupo que ainda milita na Flusócio faça uma reavaliação de suas técnicas de guerrilha em redes sociais, patrulhamento de críticos, atos de censura como o que foi imposto à NETFLU e uma alarmante e absoluta impermeabilidade a críticas. Esse grupo já foi importante para o processo político do clube. Espero que, com humildade, eles possam encontrar o equilíbrio para um recomeço.

(Por último, esclareço que este texto representa a minha opinião pessoal, e não a posição da NETFLU, um portal que publica matérias sobre todas as correntes políticas do clube e dá voz a representantes das mais diferentes tendências.)