O texto abaixo não é meu, foi enviado por amigos tricolores que, assim, como eu, estão perplexos com as atitudes de Flamengo e Vasco no curso desta terrível pandemia. Não é meu, mas assino em baixo. Segue:

Inglaterra, janeiro de 1886. Em plena era vitoriana, Robert Louis Stevenson publica “O Médico e o Monstro”, obra que o imortalizaria.

A aterrorizante história do Dr. Jekyll e Mr. Hyde logo se espalhou, ficando amplamente conhecida, até por quem nunca leu o livro. Entre outros aspectos discorre sobre o conceito do bem e do mal existente na espécie humana.

Mr. Hyde é um monstro que
domina Dr. Jekyll, o médico.

 
 
 

A escolha de um médico como o personagem, que se transforma em um monstro assassino, estabelece um paradoxo entre o crime que destrói uma vida e a profissão que se caracteriza pela luta contra a morte. A obra prima, expõe a perversidade e a compaixão, realçando em especial a dualidade humana.

Brasília, maio de 2020. O médico e o monstro sobem juntos a rampa do Palácio do Planalto. Um na pele do outro. Embora fossem dois, apenas um tinha voz. Mr. Hyde dominara Dr. Jekyll. O monstro falaria por ambos.

E falou. Negociou. Propôs brincar com a vida. Quem sabe, com a morte. Quase 20 mil já morreram. Ofereceu o futebol como circo. Quer fazer seus dinheiros. Fala ardilosamente em retomada da economia. Desfaçatez. Fotos. Sorrisos. Tapinhas nos ombros. Camisas são entregues. O mal fora prometido.

Descendo a rampa, o médico e o monstro voltaram às suas respectivas identidades. A barbárie já tinha sido perpetrada. Restava aguardar o desfecho. Quantas covas mais serão abertas?

Arriscar vidas no pico da pandemia “para salvar o futebol” não é só uma estupidez: é um ato criminoso. O reinício do futebol soa como uma provocação sórdida, quando os hospitais estão à beira de um colapso. Mas, para Mr. Hyde, o show tem de continuar. E a qualquer custo.

Ontem, o médico manchou o seu diploma definitivamente. Obediente ao monstro, desprezou a existência dos quase 500 mil companheiros, comprometidos com a cidadania e com a ética. Seres humanos que, no exercício da sua bela profissão, arriscam-se diariamente para salvar vidas. Andam no limite.

Já do monstro, pouco há a dizer. Os fatos falam por si. Até hoje dezenas de famílias choram suas crianças. Incêndio, tragédia, dor, saudade e desesperança. Silenciou, quando a Covid-19 levou um funcionário que dedicara sua vida ao clube por quarenta anos. Mr. Hyde é frio. Calculista. É besta. E age com tal.

Especialistas não se cansam de dizer que não é possível o retorno de treinamentos e muito menos dos jogos, mesmo sem público. Há justificado medo. Tal qual a sociedade, os atletas também estão com medo.

Ao LANCE!, a pesquisadora e integrante do comitê técnico de combate ao coronavírus da UFRJ, Chrystina Barros declarou: “voltar agora com o futebol é seguir na contramão dos esforços feitos para conter o avanço da pandemia. O esporte precisa inspirar saúde e isso vem, fundamentalmente, pelo exemplo. Qual exemplo o futebol daria à população? Pensar que os protocolos vão garantir um jogo de futebol 100% seguro é ilusão. Como garantir, por outro lado, que pessoas que vivem em comunidades não vão usar seus campos de futebol para replicar o que seus ídolos fazem nos gramados? Pensar em retomada neste instante é um total desserviço que o esporte presta.”

O Maracanã, maior símbolo do futebol, está ocupado por um hospital de campanha. Muitos outros estádios no Brasil também foram transformados em hospitais de guerra. Isso é incompatível com qualquer proposta de se tentar retomar o futebol.

“Não há lugar para a sabedoria onde não há paciência”, sentenciou Santo Agostinho.

Impacientes e desumanos, Mr. Hyde e seu médico não enxergam problema algum em jogar bola entre doentes, camas e respiradores. Soa-lhes normal disputar uma partida de futebol ao lado de pessoas que enfrentam a morte em condições improvisadas. Preferem os “seus dinheiros” à vida.

“Há profundo fosso que separa o bem do mal e divide e compõe a dualidade da alma humana. É preciso estar atento, pois o mundo é regido por duas forças supremas: o bem ou deus, o mal ou o diabo. No centro desse conflito está a posse do ser humano (Stevenson: O Médico e o Monstro, 1886).”

Dr. Jekyll e Mr. Hyde estão vivos.

Resta rogar a Deus que abençoe e proteja o nosso bendito futebol, em especial afastando-o do incontrolável e insano monstro e seu subserviente médico.

Orai e vigiai. Creia. Dias melhores virão.”