— Fui advogado externo contratado. Advoguei até assumir o senado quando me licenciei na OAB. Era contratado do clube para assuntos desportivos. Representei o fluminense em todas as modalidades assistindo ao clube. Estive por lá entre 2017 e 2020, portanto nas gestões Pedro Abad e Mário Bittencourt.
Da a sua proximidade com o Fluminense e o presidente Mario Bittencourt, houve nesse período algum contato do clube para entender melhor a SAF e talvez tentar implementá-la?
— Foram mais de 1600 atores do esporte que foram consultados e participaram das audiências setoriais e públicas. O Mário (Bittencourt) pela nossa proximidade consultei. Num primeiro momento disse ser contra. Quando expliquei que era facultativa a transformação, ele concordou. Como disse é uma transformação cultural e facultativa. Para muitos pode não ser o momento. Para outros como o Cruzeiro, Figueirense etc, uma solução oportuna.
Consegue imaginar clubes como o Fluminense, em curto prazo, já enquadrados na ideia proposta pela SAF? Um clube que vira SAF, caso se arrependa do modelo, não pode mais sair dela?
— É uma transformação cultural. E como toda transformação é lenta. Os casos de sucesso puxarão outros clubes para isso. Não vejo o Fluminense nesse momento mas num segundo. Quando então os grandes clubes perceberem que o seu torcedor da arquibancada também pode contribuir como investidor será difícil evitar essa transformação. Quanto ao Flamengo, Fluminense, Botafogo, Vasco, por exemplo, fosse o caso, poderiam engajar seus torcedores e receber desses investimentos por fundos ou debentures que são controlados pelo mercado e com a segurança da CVM o xerife do mercado.
O Fluminense seria atrativo para investidores estrangeiros se adotasse a SAF? Por que o debate em torno do tema, apesar de parecer uma evolução, é envolvido em tantas questões e dúvidas?
— Sim. O Fluminense tem história e patrimônio esportivo, forma atletas e vende bem, é um dos maiores clubes do Brasil, berço do futebol e clube de torcida de massa. Sim, o Flu seria dos mais interessantes que há para investidores do esporte e outros que na era da sociedade de consumo querem atingir os consumidores de massa que são os torcedores.
— Dúvidas são naturais. É uma transformação da cultura do futebol brasileiro que nasceu como associação civil e assim se desenvolveu, mas como o futebol hoje é um mercado, do esporte e do entretenimento. O Futebol é um produto e tem o seu modelo de negócios próprio. O Brasil não deve perder as oportunidades e as riquezas que giram pelo mundo e mesmo aqui na América do Sul aportam em muitos países. Mas esse é o caminho que o futebol adotou e clubes europeus como na Inglaterra mostram que esse produto com o olhar empresarial é valorizado. Não a toa que nas ultimas Copas do Mundo apenas a argentina chegou excepcionalmente a uma final. Quem adotou esse modelo saiu na frente e mantem a liderança.
Como se pensa a venda dos clubes que têm sócios, mas também dívidas? Existe uma noção de como ficam os direitos dos sócios atuais?
— Os direitos todos são mantidos porque serão sócios do clube. O clube social que terá uma participação na SAF. Que deve reverter em Receita para o clube social. Recursos novos.
Qual a garantia que os clubes não vão se tornar barriga de aluguel, ou seja, apenas vitrine para identificar bons jogadores para negociar, sem maior preocupação com o resultado esportivo?
— Hoje é esse o modelo que vigora antes da SAF. A SAF na verdade resgata o protagonismo dos clubes perdido desde a Lei do Passe. Uma gestão responsável com governança, e modelos próprios empresariais onde há metas e cobra-se resultados desportivos e financeiros é uma transformação cultural que fortalece a agremiação, pois as relações se dão no campo do mercado e o futebol no mundo é um mercado promissor e real com modelo próprio de negócios que, na ausência de um marco legal, o Brasil e os clubes Brasileiros desperdiçam.
Ainda em cima disto, não há o risco de virarem um clube satélite dos gigantes europeus?
— Essa realidade também já há em clubes como associação civil. Concentrado na mão de empresários muitas vezes. Existem vários modelos de negócios para a SAF. Esse é um que acredito para clubes de menor investimento e menor torcida. Clubes grandes não devem se submeter a essa relação porque formam, são mais valorizados e são procurados por vários clubes europeus principalmente e portanto não deve haver concentração de negócios.
Existe uma corrente que entende pela obrigatoriedade do modelo SAF. Qual a sua opinião?
— Erro. Não se faz uma transformação cultural na canetada. São viúvas de um projeto que na câmara assim pensava. Seria ademais inconstitucional porque a liberdade de associação é um direito constitucional. E não resolveria o problema porque para se transformar em empresa o clube tem que se preparar, estruturar e levantar sua divida e seus ativos, fazer um plano de negócios para apresentar ao mercado, estar preparado para essa transformação cultural. Não é porque virou empresa que o investidor será atraído. Devo acrescentar também que há casos de sucesso na gestão de clubes ainda como associação civil que são que não justificaria, ao menos neste momento, a conversão em SAF obrigatória. Há o direito desses escolherem os seus destinos por decisão dos seus associados e não na canetada da lei. São exemplos hoje: CAP, Flamengo, CSA, Palmeiras, Atlético Goaniense entre outros. Implementaram modelos de gestão empresarial mesmo como associação civil e colhem resultados.
Acredita que exista preocupação de dirigentes na conversão para SAF devido aos mecanismos de controle e transparência?
— Sem duvida. Ai esta a grande transformação da cultura dos clubes. Muitos “viciados” no modelo associativo das “igrejinhas” que controlam. Se sentem donos do clube e se colocam muitas vezes como salvadores da pátria. Isso não existe. O clube é sua historia, patrimônio e seus torcedores. Muitos não participam da vida social. Estão nas arquibancadas. A SAF aumenta a participação dos torcedores que poderão passar a torcer e a investir no seu clube de coração recebendo os resultados também financeiros. O instrumento da debenture fut e fundos de investimento que se associarão a SAF certamente permitirá isso, além da capitalização com novos recursos hoje ausentes.
O torcedor tem muita preocupação pela SAF, parte pelo risco de falência dos clubes mal administrados. O que pensa sobre isso?
— Por que ter medo? Qual a realidade de muitos hoje senão essa? O exemplo do Figueirense que esta em recuperação judicial mesmo como associação civil. O risco é o mesmo de qualquer negócio. Da padaria da esquina ao clube empresa. A má gestão pode levar a isso mas com os modelos de controle empresariais que hoje clubes associativos não empregam, especialmente a SAF, cujo modelo é mais complexo, o risco é menor. Inclusive porque o futebol tem a capacidade como negocio de gerar receitas futuras e isso atrai novos investidores. Assim ocorreu em países q adotaram este modelo.
Outra preocupação tem a ver com a perda da identidade história e visual da instituição. Existe forma de uma SAF se proteger quanto à isso?
— Sim. Sobre a historia e patrimônio ainda que o clube social tenha uma pequena participação na SAF, terá pela lei a palavra final. Uma golden share a semelhança. Clubes grandes provavelmente licenciarão a sua marca e disticos a SAF de forma que qualquer problema retorna a ele. Sede, emblema, cores e outras questões históricas patrimoniais têm a palavra final do clube.
Acha que a SAF pode elevar o patamar do futebol brasileiro quanto à competitividade das nossas ligas e proteção contra a saída precoce dos nossos jovens atletas?
— Sem dúvida. Clubes que implementaram modelos empresarias de gestão mesmo como associação civil estão colhendo os resultados. Pagaram suas dividas (como o Flamengo 1 bilhão em 8 anos), estruturaram suas finanças, controlaram suas despesas por alguns anos implementando responsabilidade de gestão, seguraram nesses anos a pressão por resultados, mas agora sobram e se diferenciam dos demais, investem em elencos mais fortes, seguram por mais tempo seus jovens talentos para fazer melhores negócios, e alcançam bons resultados desportivos com melhores elencos do que antes. É isso que o torcedor quer. Na SAF essa é a regra.