Arte de como ficariam as Laranjeiras após o projeto de revitalização, sem modificações bruscas, o que facilitaria no aval do INEPAC (Imagem: Ricardo Lafayette e Eric Menezes)

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Existe ou não a possibilidade real de o Fluminense mandar suas partidas nas Laranjeiras? Nada é irreversível no que tangem as leis vigentes acerca dos tombamentos. Somados os públicos dos três últimos clássicos entre Fluminense e Botafogo, em Volta Redonda, por exemplo, o número de presentes chega a ser assustador: em torno de 10 mil pessoas. A ausência de uma casa para ambos, neste momento, muito mais do que a qualidade do espetáculo que se espera ver, interfere de maneira decisiva neste cenário. Ainda em 2016, o clube já mandou partida no Los Larios, em Xerém, com capacidade inferior a 4 mil. Público? Menos do que mil. Os sintomas não são dessa temporada apenas. O sinal de alerta já deveria ter disparado. Se foi, já deveriam estar se movimentando. Ou dando o segundo passo, além dos projetos.


A ideia apresentada pelo ex-gerente de marketing do Fluminense, Dilson Motta, teria ganhado mais corpo não fosse a ação de um nome, de acordo com pessoas ligadas ao projeto: o vice-presidente de projetos especiais, Pedro Antônio. Extraoficialmente, o que se diz é que, quando o dirigente soube, através do mandatário Peter Siemsen, da intenção de parceria da Odebrecht para a revitalização das Laranjeiras, ele questionou o porquê de a empresa não ajudar na condução do CT, em vez de tocar uma “obsessão” incerta.  Procurado pela reportagem do NETFLU, o homem que comanda a construção do centro de treinamentos do clube negou, veementemente, que tenha sido contra qualquer intervenção nas Laranjeiras. Pragmático, ele salientou que não haveria possibilidade de iniciar qualquer obra por conta dos tombamentos e que nunca recebeu nada efetivo mostrando a viabilidade da sede histórica do Fluminense.

– A única coisa que eu soube na época, foi que começaram a estudar soluções alternativas para esse ano, quando o Maracanã fechasse. E, também, para a época em que os jogos fossem pequenos. Aí, o consórcio mandou uma equipe técnica, com a ajuda do pessoal de marketing, fazer um levantamento da situação estrutural das Laranjeiras e descobriu-se que o anel superior está condenado. Depois, isso não prosperou porque tem que fazer um processo todo de destombamento. Até porque eu já tive com o homem responsável pelos tombamentos. O próprio consórcio deve ficar fora do Maracanã, que dirá botar dinheiro em outras coisas. Nunca consegui receber levantamento nenhum sobre as Laranjeiras – afirmou.

O posicionamento do vice-presidente de projetos especiais, Pedro Antônio, não difere muito da versão oficial do clube, embora o dirigente não tivesse citado nome de institutos ou instituições. Quando o Fluminense foi indagado pelo portal NETFLU sobre todas as questões referentes a este dossiê, a resposta da assessoria da presidência foi:

– Tem que ir para o IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), onde a burocracia é muito grande. Havia pistas de que não íamos conseguir a liberação. O tombamento inclui o estádio inteiro, arquibancadas também. Pensou-se nisso, mas não iria dar tempo diante de tanta burocracia. A ideia não morreu, mas não se falou mais nisso.

Imagem mostra projeto similar ao do ex-gerente de marketing do Tricolor, Dilson Motta, que não prevê apenas as arquibancadas no lado da Rua Pinheiro Machado (Arte: Ricardo Lafayette e Eric Menezes)
Imagem mostra projeto similar ao do ex-gerente de marketing do Tricolor, Dilson Motta, que não prevê apenas as arquibancadas no lado da Rua Pinheiro Machado (Arte: Ricardo Lafayette e Eric Menezes)

O interessante na versão do clube é que ela não tem nenhuma ligação com o que, de fato, ocorre. O IPHAN não possui ingerência no tombamento das Laranjeiras, é um órgão federal. Não precisa nem ser ouvido. O tombamento das Laranjeiras se dá por um decreto municipal e lei estadual. As conversas deveriam ser com a Prefeitura e com o Governo do Estado, como explica o assessor parlamentar e conselheiro do clube, Ricardo Lafayette. Portanto, o órgão indicado para qualquer intervenção nesse sentido seria o INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural). Em virtude disto, tanto o IPHAN quanto o INEPAC foram procurados pela reportagem do site número 1 da torcida tricolor para saber se haveria impossibilidade de um destombamento e, também, se o clube já os havia procurado. O primeiro instituto, como já era sabido pela reportagem, informou que o assunto não era de sua alçada. Já o segundo, reiterou o que a restauradora Ana Frazão, que participou da modernização da Sala de Troféus do Fluminense, havia dito: tem que apresentar um projeto. Ou seja, não há posicionamento definitivo sem que nada real seja mostrado. E o Fluminense, no caso, nunca apresentou absolutamente nada. A resposta do instituto é curta e grossa quanto a esperança de restauração do espaço. Entretanto, se mantida a ideia de Dilson Motta, que previa manter o máximo do projeto original, um alento.

– Em relação aos temas levantados pelas perguntas 1 e 3 (questões sobre o destombamento baseado nas mesmas premissas da Sala de Troféus do clube), o INEPAC afirma que não há possibilidade de destombamento por causa das justificativas apresentadas. Só nos manifestamos após apresentação de projeto. Sobre os procedimentos viáveis para manter o máximo do projeto original, com algumas melhorias tecnológicas, o instituto somente se manifestará após a apresentação do projeto – respondeu a assessoria de imprensa do INEPAC.

O que precisaria ser feito de imediato nas Laranjeiras? A arquibancada social está em bom estado de manutenção e estrutural. O telhado, porém, necessita de reparos. Das quatro torres de iluminação, há uma em estado crítico, tendo sua base comprometida, que fica ao lado do parquinho. O anel superior dos visitantes (já alertado na primeira parte deste Dossiê) tem de ser demolido, independentemente do que se faça no estádio. O projeto prevê a reconstrução do espaço com todos os cumprimentos do Estatuto do Torcedor e a legislação do tombamento, o que viabiliza o “ok” do INEPAC. Ele não engessa o clube e o órgão público, em geral, compreende essas questões. Somado a isso, o projeto prevê a troca do alambrado por um de vidro e, ao menos, dois acessos distintos de entrada no estádio, dependendo do setor que o torcedor tivesse comprado o ingresso.

Abordados os temas em torno do que poderia ser feito de início, o entorno do estádio ainda é um assunto que mexe com muita gente. Ruas estreias, trânsito caótico, complicações à vista. Este, ao menos, é um dos pensamentos mais corriqueiros ao se colocar à mesa qualquer projeto que ressuscite as Laranjeiras para jogos da equipe profissional. As cercanias do palco histórico são tidas como grande empecilho para que haja qualquer evento na região. Todavia, o estádio não sediaria partidas durante à tarde ou em horário de pico nos dias de semana. A tendência de utilização seria, tão somente, para confrontos às 21h50 ou aos sábados, domingos e feriados. A CET Rio ficaria encarregada de fazer as adaptações necessárias do trânsito, quando oportuno, tal qual acontece em partidas no Maracanã e Engenhão. Este último, inclusive, possui características, proporcionalmente falando, mais complicadas do que a própria Laranjeiras, no que diz respeito ao trânsito. O maior complicador, admitem os idealizadores da revitalização das Laranjeiras, é o estacionamento. Com duas estações de metrô (Flamengo e Largo do Machado) próximas, além de ônibus e táxis, o objetivo passa por levar ao torcedor a compreensão de que a melhor forma de se chegar ao estádio seria via transporte público, como ocorre no Réveillon do Rio de Janeiro.

Cena nostálgica das Laranjeiras lotada nos anos 80
Cena nostálgica das Laranjeiras lotada nos anos 80

Certamente utilizável no Campeonato Carioca, Copa do Brasil, amistosos de preparação e Primeira Liga, o mesmo, talvez, baseado no regulamento da CBF, não pudesse ocorrer no Campeonato Brasileiro. Isso porque, o mínimo previsto de capacidade no atual regulamento é de 15 mil torcedores. Porém, mais uma vez, trata-se de uma questão meramente política. Em contato com o NETFLU, pessoas ligadas à CBF e ao projeto do estádio do Tricolor explicam que o número atual só vigora porque a Vila Belmiro, estádio do Santos, possui capacidade para 15.800 torcedores. Isto é, não existe estádio com limite mínimo. Os clubes envolvidos indicam o seu palco e ele precisa ter as condições mínimas para a realização de um jogo. Trocando em miúdos, se o menor estádio de um time na Primeira Divisão comportasse 10.500 torcedores, a capacidade mínima no regulamento seria ajustada para 10.500 e assim por diante.

Todos os fatores que desaprovam uma insistência na ideia de revitalização são refutáveis na medida em que as intenções são desprendidas de manobras políticas. Os agentes envolvidos na questão sabem que não seria tarefa simplória tirar os itens do papel, o que não significa uma missão impossível. Se morreriam para ver o Fluminense jogando no céu, como apregoava o profeta tricolor, Nelson Rodrigues, imagine o que fariam por jogos dentro da sua verdadeira casa, a eterna Laranjeiras? A palavra utopia vem do grego “ou+topos” que significa “lugar que não existe”. Durante muito tempo esse foi o mantra entoado num dos bairros mais tradicionais da zona sul do Rio de Janeiro. A exemplo do Maracanã do passado, antes das grandes obras que modificaram para sempre a cara e a energia do estádio, Laranjeiras seria um lugar que não existiria mais. Mas, anterior ao sonho, a realidade bate a porta com propostas que poderiam ser, no mínimo, observadas com maior afinco. Pelo menos no coração de todo tricolor, o acolhimento da sede histórica é certo e à prova de qualquer tombamento.