(Foto: Divulgação/FFC)

SOBROU PARA O FLUMINENSE

Matheus Leitão é jornalista. Vencedor de importantes prêmios na imprensa brasileira, como Esso e Vladimir Herzog.

 
 
 

Matheus publicou hoje uma coluna na edição online da Veja, uma das revistas de maior alcance nacional. Tratou do episódio ocorrido no jogo de ontem, no qual tudo leva a crer que um torcedor do Fluminense tenha se dirigido ao Gabigol chamando-o de Macaco.

O premiado jornalista escreveu uma péssima coluna. Imprecisa, preguiçosa e irresponsável. O título é algo do tipo “O Fluminense perdeu o Fla X Flu”. Em dado momento ele diz o seguinte. Abre aspas:

“É inadmissível que o clube aceite ver sua torcida repetir o que torcedores de times europeus fazem com frequência, que é o racismo estrutural, chamando jogadores negros de macacos”.

Não, Matheus, o clube não aceita. De onde você tirou isso? O que é ‘o clube’ pra você? A instituição? Os dirigentes? A enorme torcida?

O tema racismo provoca, em regra, esse tipo de comportamento: a necessidade de se posicionar. E eu compreendo. É muito necessário mesmo. É pauta daquelas que nunca devem ser encerradas. É problema social de duras raízes e cujos desdobramentos são sentidos a cada vez que um negro é abordado na rua, a cada vez que um negro é vigiado numa loja de departamentos, ironizado ao entrar num restaurante ou preterido numa vaga de emprego.

O racismo existe, é abjeto e a cada vez que for flagrado é fundamental que seja debatido. É no debate que evoluímos como sociedade.

É pauta muito mais importante que ganhar ou perder o Fla X Flu. Afinal, se torcedores sofrem com seus times, pretos morrem aos montes em função da cor da pele.

Então, amigos… Que falemos muito deste caso. E que falemos, seja ele havido na torcida do Fluminense ou de qualquer outro time. Porque não existe clube racista, não existe torcida racista. Existe torcedor racista. Existe pessoa racista.

Ontem – eu ouvi o áudio e acho que o grito foi mesmo o de Macaco – um sujeito desses estava na nossa arquibancada.

Mas uma coisa é discutir racismo e outra é apontar o dedo de qualquer jeito.

A imprensa esportiva de hoje tem raízes na mesma imprensa que durante anos e anos estereotipou o Fluminense como time que tentou colorir a pele de seus jogadores com o pó de arroz. O premiado Matheus entrou nessa onda.

Mas estamos em 2022. O mundo mudou, as pautas sociais apareceram e chateiam demais os que não as aceitam, porque incômodas. Na Internet têm um monte de gente que se contorce em posicionamentos mil porque, no fundo, não aceitam a perda de seus privilégios. Podem procurar.

A verdade é que é inadmissível que todos, jornalistas, torcedores, humoristas (como o lamentável Antônio Tabet em seu Twitter), promovam a divisão retórica de racistas e não racistas disfarçadas de tricolores e flamenguistas.

A quem isso beneficia? Ao bom debate é que não é.

Gritos homofóbicos ecoaram ontem no Engenhão. E vieram dos flamenguistas. Assim como vieram da nossa arquibancada no último jogo contra o Internacional.

Se for olhar direito, toda torcida de futebol tem os seus telhados de vidro. E o motivo é simples: elas ainda espelham uma sociedade pra lá de doente.

O que não dá é aceitar que peguem carona nessa mazela social e sigam enfiando a responsabilidade no Fluminense, seja como instituição, seja como ideia de pertencimento coletivo.

E aí é que surge meu lamento maior nessa história: a forma como o clube se posicionou. Primeiro, na via de uma nota oficial demasiadamente tímida, quase protocolar, daquelas que parecem de SAC de empresa quando se depara com uma reclamação qualquer.

Não é uma reclamação qualquer. É grave. E sim, o Fluminense não é polícia, mas é uma instituição centenária, que tem força para dar mais do que a mera nota burocrática e preguiçosa que veiculou nas redes sociais.

Mas a situação ficou ainda pior com a entrada ao vivo do nosso presidente no Redação Sportv, que agora reverbera fortemente nas redes sociais.

Mário tinha que ser bombeiro. Mas levou gasolina.

Mário tinha que pessoalizar a questão em cima da busca pelo sujeito, no singular, que proferiu o xingamento, mas a pessoalizou trazendo à discussão o argumento nada razoável de que sua esposa é negra.

Mário defendeu a tese do racismo reverso e pareceu estar ali muito mais na condição de defensor de seu sobrenome do que na de representante de milhões de tricolores.

Mário achou que discutir racismo ao vivo com um jornalista negro, um dia após o ocorrido, seria um bom negócio.

Mario mordeu a isca. Foi jantado com uma maçã na boca, enquanto falava sobre o que não conhecia, para deleite de uma audiência louca por culpados.

A imprensa esportiva – que tem, sim, uma indisfarçável sordidez histórica para tratar o Fluminense – deliciou-se com a entrevista.

E como rescaldo, no meio de um debate tão fundamental como o racismo, sobrou para o Fluminense, como ideia, como instituição, como representação de uma fatia da sociedade, voltar ao foco da discussão, mais uma vez como algoz.

Se pudesse deixar um conselho e um pedido aos tricolores, esse seria: não deixemos o assunto cair em esquecimento. Valorizemos cada minuto desta pauta. Temos muito a ler, aprender e transformar. Vamos olhar esse trem de frente.

Mas defendamos o Fluminense que, nessa, de novo, entrou como boi de piranha.

No mais, o de sempre, GANHAR FLA X FLU É NORMAL. Que a dissidência lide com isso.

Curtas:

  • Partidaço do Marcos Felipe. Responsável direto pela vitória.
  • Time ganhou na manha, no jeito, sem apresentar, ainda, um futebol que me sugira estarmos no caminho certo.
  • Fred e Willian não podem jogar juntos.
  • Ainda sobre a questão do racismo, indico fortemente a documentário HERDEIROS DE CHICO GUANABARA, que está no seu terceiro episódio, na FluTV. Esse tipo de enfrentamento é essencial e merece muitos aplausos. O Próprio Mario poderia vê-lo inclusive.