Deu o que falar a crônica que publiquei aqui na semana passada, na qual fazia um exercício de ficção bem-humorado sobre como seria avaliada a gestão do Fluminense caso o clube fosse uma padaria. Guerras sanguinárias, no melhor estilo Game of Thrones, foram travadas nas redes sociais. Alguns integrantes do principal grupo apoiador do presidente Peter Siemsen, a Flusócio, trataram logo de me desancar, enquanto integrantes de grupos de oposição e até mesmo torcedores não ligados à política do clube saíram em minha defesa. Sensatamente, não entrei e não entrarei em nenhuma dessas polêmicas, até porque não vivo a política do clube, não sou nem jamais serei candidato a nada. Apenas acompanho o debate, como faço sempre, com saudável distanciamento. Acho que esse deve ser o papel de um cronista: ter perspectiva sobre as coisas que comenta, e não ter medo de comentá-las.

Sobre as críticas que recebi e receberei, já vou avisando que tudo é do jogo. Eu publico neste espaço exatamente o que quero, sem qualquer tipo censura – e, portanto, não teria cabimento eu tentar interferir no bate-boca suscitado pelos meus textos. Na verdade, se a crônica da padaria suscitou bate-boca eu já me dou por satisfeito, pois o que pretendo é justamente provocar a troca de ideias entre os torcedores. No entanto, uma questão que foi levantada no Twitter por um tal de Danilo Berna (acho que esse é o nome) merece maiores considerações. Entre uma saraivada de críticas, todas do jogo, ele disse que eu não posso falar nada sobre gestão, pois não sou da área. Além do mais, ainda segundo ele, meu objetivo era apenas atacar a Flusócio e o presidente Peter. Bem, sendo assim, precisarei ir aos fatos. Não às vias de fato, como alguns poderiam pretender. Apenas aos fatos.

 
 
 

Primeiro, um pouco sobre meu conhecimento de gestão. Bastaria uma breve consulta no LinkedIn para que qualquer um soubesse mais sobre a carreira de determinada pessoa. No entanto, como os críticos dificilmente perdem tempo em saber quem ou o que criticam, peço licença para explicar que a crônica esportiva é apenas uma das atividades que exerci – e sempre de forma paralela. Minha principal ocupação profissional sempre foi como executivo de grandes empresas. Reproduzo a seguir um resumo do meu currículo, para que o amigo leitor tire suas conclusões: “Marcos Caetano, 51 anos, carioca radicado em São Paulo, é formado pela Faculdade de Administração e Finanças da UERJ, com pós-graduações em Marketing pela ESPM, em Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral e MBA em Finanças pelo IBMEC/Insper, além de especializações na University of California – Berkeley. Atualmente, é sócio global da empresa de comunicação estratégica Brunswick Group, com sede em Londres e 24 escritórios em 14 países. Anteriormente, foi diretor Global de Comunicação, Marca e Cultura Corporativa da BRF, diretor de Comunicação Corporativa do Itaú BBA, diretor de Marketing de Negócios do Itaú Unibanco, diretor de Pessoas, Comunicação e Sustentabilidade e membro do Comitê Executivo do Unibanco, vice-presidente de Marketing para a América Latina do Terra e empreendedor do portal Lokau.com, uma das empresas pioneiras da internet no continente. Também atuou em empresas como Banco Supervielle (Buenos Aires), Grupo Icatu, Banco Nacional, Souza Cruz e PriceWaterhouseCoopers. Foi professor de Planejamento Estratégico em instituições como IBMEC e ESPN e de Ciências Contábeis no Instituto Bennett e na Abeu. Como colunista, já contribuiu com publicações como os jornais O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil e as revistas Piauí, Placar, Bravo e Trip. Foi comentarista dos canais ESPN, RedeTV e Sportv, tendo participado da cobertura de cinco copas do mundo”. Acredito, portanto, que esteja habilitado a pelo menos poder dar minha opinião sobre aspectos de gestão, ou não?

O segundo ponto diz respeito à Flusócio e ao presidente Peter. Pois vamos lá: eu sou profundamente grato à Flusócio por ter liderado um grande movimento pela angariação de novos sócios, com o louvável objetivo de interromper a sucessão de presidentes pavorosos que tivemos ao longo de pelo menos duas décadas de completo descaso administrativo, colocando no lugar dessa corja uma pessoa de bem. Eu me tornei sócio do Fluminense, há sete anos, justamente por causa desse movimento. E me tornei sócio para votar – como votei – em Peter Siemsen. Peguei um avião às 6 horas da manhã em São Paulo, pago às minhas expensas, fui às Laranjeiras, votei e retornei à São Paulo na ponte área das 9h30. Às 10h30 já estava trabalhando no banco. Votei em Peter porque acreditava em sua honestidade e em sua capacidade administrativa. Apoiei a Flusócio porque imaginei que seus quadros forneceriam bons gestores para o clube. De lá para cá, apenas uma coisa não mudou: continuo achando Peter um homem honesto e diferente da maioria dos cartolas do país. Já os outros pontos, que têm relação com gestão, se transformaram em decepções, tanto que não viajei para votar pela reeleição do grupo (deixando claro que, se estivesse no Rio, provavelmente teria votado nele, por absoluta falta de opção). Nos próximos parágrafos, tentarei explicar as razões de tamanha decepção.

Antes de mais nada, que não reste qualquer dúvida: eu acho os projetos de Xerém e do CT absolutamente vitais para o clube. Um clube brasileiro, especialmente sem uma torcida gigantesca e capaz de garantir grandes verbas de TV e patrocínio, não consegue sobreviver se não revelar craques para o seu elenco e arrecadar receitas de transferências futuras. Da mesma forma, um time só consegue ser competitivo se tiver local adequado para fazer seus treinamentos, com tecnologia de ponta, logística correta e instalações de primeiro mundo. Isso é boa gestão. Ponto. O que não é boa gestão é vender todos os talentos revelados antes de que eles tenham jogado de duas a três temporadas como titulares da equipe principal. Não é boa gestão cuidar do celeiro de craques e do local de treinamento e relegar ao abandono instalações sagradas como a sede do clube e o local onde o time de cima atua e os torcedores frequentam. Não é boa gestão “doarmos” grandes jogadores, como Fred e Diego Souza, e ficar com um elenco cheio de perebas caríssimos e futebol lamentável. Não é boa gestão esconder no banco jogadores que pretendemos negociar, como Marlon. Não é boa gestão receber um time campeão brasileiro no primeiro ano do primeiro mandato e entregá-lo ao sucessor na segunda divisão, risco que hoje sabemos que existe. Não é boa gestão ter que sacrificar o presente pelo futuro quando, com boa gestão, podemos ter os dois.

Da mesma forma, não é boa gestão ser o único clube da primeira divisão sem um patrocinador principal no peito e nas costas da camisa. Não é boa gestão fechar com um fornecedor de material esportivo que não tem capacidade de produção e venda dos uniformes, fazendo com que percamos a importante receita da venda de camisas (nem vou falar na qualidade dos materiais) e deixando o pobre do torcedor sem poder comprar um mísero boné. Não é boa gestão tocar alucinadamente os gestores de departamentos cruciais como o futebol e o marketing, áreas que precisam de um mínimo de planejamento e continuidade para fazer um bom trabalho. Não é boa gestão roer a corda em negociações com canais de televisão, com fornecedores de material esportivo, com os clubes da Primeira Liga e com tantos outros interlocutores que ficaram tontos com a insegurança e as seguidas mudanças de opinião do grupo gestor, de quem se espera firmeza e obstinação. Não é boa gestão gastar para abrir uma sucursal do clube num país fora do mapa do planeta futebol, a Eslováquia, ainda mais quando precisamos de coisas bem mais simples, como um centroavante. Não é boa gestão transformar as Laranjeiras em um shopping center. E, acima de tudo, não é boa gestão a falta de grandeza para assumir os erros cometidos, preferindo sempre culpar alguém que saiu por todas as dificuldades enfrentadas.

Nesse sentido, quero fazer uma profecia. O próximo culpado pelo mau momento do clube, pela dívida que ainda está entre as cinco maiores do país, pelo elenco devastado com a estúpida saída de Fred, pela chegada de maranhões e dudus, pela péssima campanha do time no Brasileirão será… Conseguem adivinhar? Não? Pois eu cravo o nome: Pedro Antônio. Ontem estive no Morumbi e, na arquibancada desolada, a conversa de segmentos da torcida já versava sobre como priorizamos o CT em detrimento do elenco, que precisamos pagar o Pedro Antônio e isso acabou com as nossas finanças, que o dinheiro do Fred irá para ele, etc., etc. Tudo conversa mole. O custo do CT é uma pequena fração do que o clube arrecadou com a venda de Kenedy, Gérson e outros jovens. Isso sem falar no aumento no valor recebido pelos direitos de televisão (com pagamento de luvas) e na venda de mando de jogos para outros estados. Como se isso não bastasse, uma recente matéria do Globo mostrou que estão dando calote no pobre sujeito que, no peito e na raça, vem construindo o grande legado da atual gestão. Um legado que ainda corre o risco de ser entregue inacabado por falta de apoio financeiro do clube.

Pode parecer incrível tamanha ingratidão com quem tanto contribuiu com o clube. Mas quem viu o que aconteceu após a saída de todos os treinadores, vices de futebol, diretores de futebol, marqueteiros e até do ídolo Fred já sabe qual é o modus operandi da presente gestão: pela frente, todos são geniais e contribuíram muito, mas, pelas costas, foram os causadores de todas as desgraças. Nunca o presidente, nunca a Flusócio. Esses não erram jamais. O atual diretor de futebol, indicado por ambos, é um prodígio. Os gestores de marketing, que trocam uma camisa da Adidas com patrocinador no peito por uma da Dryworld com o peito em branco, são próceres da geração de resultados. A culpa é sempre dos demais, sempre dos que saíram. Se Pedro Antônio tivesse apoiado a virada de mesa e se lançado candidato da continuidade, ninguém falaria nada dele. Como foi correto e se submeteu ao estatuto do clube (e, cá entre nós, dificilmente apoiará alguém da situação em vista do que vem sofrendo), ele se tornou um provável alvo para ser o próximo Judas do grupo que comanda o clube. O tempo dirá se tenho razão ou não.

O Engenheiro usa capacete, trabalha duro, faz projetos, segue o planejamento, cumpre prazos e orçamentos. O Advogado traja ternos bem cortados, sabe que as palavras não são quantificáveis e as semeia ao vento, na certeza de que serão entendidas de forma difusa e interpretadas conforme a sua conveniência. Essa combinação não poderia dar certo por muito tempo. Em breve, tudo o que der certo em relação ao CT será mérito da atual gestão, enquanto tudo o que der errado – até um rebaixamento para a Série B – será jogado na conta de quem construiu as belas e necessárias instalações. E é uma pena que nessa fábula da luta do Advogado com o Engenheiro o grande prejudicado seja o torcedor.

Em palavras mais sérias, sem humor ou emoção – e, portanto, fugindo ao meu estilo, que pretende ser sempre leve – este texto detalha o que pretendi exemplificar com o já célebre texto da padoca. Eu critico atos, não pessoas. É difícil e pretensioso julgar as pessoas que estão na gestão do clube, mas infelizmente é muito fácil detectar o que é má gestão num clube de futebol. E eu não posso me calar diante disso. Não quando a vítima é essa grande paixão que atende pelo nome de Fluminense Football Club.