Já levo mais de um quarto de século trabalhando com marketing e comunicação. Se o Fluminense é uma grande paixão, essas disciplinas são o ganha-pão, o ofício, aquilo que paga as contas, que me define profissionalmente. Se o coração muitas vezes embota o pensamento na hora de falar sobre o Tricolor, quando o assunto envolve a minha profissão eu sou puro raciocínio e razão. E é com base no conhecimento acumulado em tantos anos de estrada que eu faço uma advertência categórica: será um erro trágico marcar a final da Primeira Liga para o feio e acanhado estádio Mário Helênio, em Juiz de Fora. Acompanhem meu raciocínio, pois escreverei agora como se fosse o executivo de marketing de uma empresa chamada Fluminense. Excepcionalmente nesta coluna, o cronista apaixonado dá lugar ao executivo de terno e gravata. Porque, se fosse ao contrário, alguns poderiam confundir com palpite aquilo que é, de fato, uma opinião técnica e absolutamente racional.

Uma das mais antigas e divulgadas máximas da minha profissão é esta: tudo comunica. Muitas vezes, me deparei com executivos que se preocupam apenas com o conteúdo que pretendem comunicar, achando que a mensagem sempre se sobreporá ao resto. Ledo engano. Consigo recordar dúzias de casos de mensagens muito bem estruturadas que se perderam em meio a coisas que, para quem não é do ramo, aparentam ser meros detalhes. Foi assim que, certa vez, eu vi um executivo gravar uma mensagem absolutamente bem estruturada sobre a importância do projeto de corte de custos que estava sendo implantado em sua empresa. A mensagem era perfeitamente elaborada, destacando com precisão todos os pontos, coisa de profissional. No entanto, o executivo resolveu gravá-la em seu iPhone… e dentro de um jatinho particular. Não preciso dizer que o plano de corte de custos foi pessimamente recebido e fracassou retumbantemente. Porque tudo comunica. Ou vocês acham que foi por acaso que, ao ganhar pela primeira vez a eleição para presidente dos Estados Unidos, o democrata Barack Obama usou uma bela gravata vermelha – a cor do Partido Republicano – no discurso da vitória? O que ele queria mostrar com aquilo? Que até ali ele fora um candidato do Partido Democrata, cuja cor oficial é o azul, mas que dali em diante ele seria o presidente de todos e, com uma simples gravata, mandou sua mensagem. Porque Obama entende de comunicação – e sabe que tudo comunica.

 
 
 

Outro princípio que o marketing nos ensina é igualmente simples, embora não pareça tão óbvio para muita gente: o meio é a mensagem. Eu sei que as escolas tradicionais ensinavam que há duas coisas distintas: o meio (o veículo, a mídia, o canal pelo qual a mensagem será veiculada) e a mensagem (o conteúdo). Mas a visão mais moderna da comunicação mostra que não existe meio e mensagem – porque a escolha do meio é tão importante para a percepção da mensagem que ela faz com que essas coisas se misturem, se contaminem. Assim, o meio é a mensagem. A Mercedes-Benz anuncia seu veículo mais caro na sala da classe executiva do aeroporto de Dubai. Perfeita escolha do meio, garantindo perfeita absorção da mensagem. Aquele carro de fato é para pessoas de alto poder aquisitivo, que frequentam espaços como o que foi escolhido para veicular a mensagem. Agora imaginem a tragédia que seria para a marca da Mercedes se um marqueteiro equivocado decidisse fazer propaganda dos automóveis no interior dos trens da Central ou naquelas placas que são carregadas pelas ruas com os dizeres “compro ouro”. Não preciso nem dizer que se uma fábrica de motocicletas populares decidisse anunciar na sala VIP do aeroporto de Dubai estaria rasgando dinheiro. Porque o meio é a mensagem.

Agora que todos estamos na mesma página sobre alguns conceitos de marketing e comunicação, eu me dirijo ao presidente Peter Siemsen. Eu sei que ele fez um grande e louvável esforço para tentar que o Maracanã fosse o palco da final entre Fluminense e Atlético Paranaense. Entretanto, embora eu até ache que os governantes poderiam facilmente flexibilizar o cronograma das olimpíadas para permitir a realização da final no palco perfeito (e, se fosse um clube rival que estivesse na decisão, eu acho até que abririam uma exceção), o fato é que essa hipótese já foi descartada. Sendo assim, o presidente precisa encontrar uma alternativa. E é aí que eu recomendo que ele reflita sobre os conceitos que mencionei nos dois parágrafos anteriores. Se tudo comunica e se o meio é a mensagem, o que o Fluminense estará comunicando e qual será a mensagem transmitida se marcarmos a final para um estádio de padrão tão baixo e numa cidade do interior? Eu respondo: a mensagem será de que a Primeira Liga não pegou, que o Fluminense é um clube periférico e que não confia que sua torcida seria capaz de encher um estádio padrão FIFA numa grande capital. Simples assim. E se eu, que sou torcedor do Fluminense, entendo a mensagem dessa forma, o que dirão os que não gostam da gente? Eles dirão coisas ainda piores, podem ter certeza.

Alguém poderá dizer que, entre as opções que temos, Juiz de Fora é a cidade mais próxima do Rio de Janeiro. Discordo. Ainda que eu concordasse com a sandice levar a primeira final da história de um torneio que pode estar mudando a história do futebol brasileiro para um estádio de terceira linha, teríamos melhores opções. Volta Redonda, por exemplo. Nesse modestíssimo estádio, que eu também vetaria com veemência, os torcedores que moram no Rio poderiam ao menos arriscar um bate-e-volta de 120 km. Já sobre Juiz de Fora, com todo respeito, alguém acredita mesmo que dezenas de milhares de torcedores deixarão o Rio para passar o feriado na simpática cidade mineira, há quase 200 km de distância com uma serra no meio? Mas eu posso garantir que há dezenas de milhares de tricolores vivendo em cidades como São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e até Recife – apenas para citar capitais que inauguraram belos estádios para a Copa do Mundo e que ficam distantes de Curitiba e Porto Alegre, onde correríamos o risco de ter mais torcedores do Furacão do que nossos.

Grandes clubes de quatro estados, que juntos somam mais de 20 títulos brasileiros, se uniram para desafiar a ditadura da CBF e mostrar que podem organizar uma liga competitiva e atraente. Precisamos comunicar essa ambição através da escolha do palco para a grande final. E aí escolhemos Juiz de Fora? Isso não pode ser verdade. Presidente, por favor não faça essa desfeita para nossa torcida. Não desaponte tão profundamente seus parceiros da Liga. Não permita que a CBF e a Federação do Rio façam troça da final que vamos disputar e, se Deus quiser, ganhar. Uma decisão na Allianz Arena: isso sim seria uma tremenda declaração de grandeza. Ou no Pacaembu, no Morumbi, na Arena Corinthians. Estaríamos trazendo a Liga para a cidade natal dos grandes clubes que podem ser os próximos integrantes dessa revolução de poder no futebol brasileiro. Se não quisermos São Paulo, embora fique no meio do caminho entre Rio e Curitiba e conta com centenas de milhares de “exilados” desses dois estados, que seja Belo Horizonte, Brasília, Recife. Até Manaus, no meio da Floresta Amazônica, teria mais charme, até porque jogaremos lá com o Vasco, três dias antes da final da Liga. Garanto que, por se tratar de uma final, teremos mais público em estádios de ponta das capitais do que em Juiz de Fora. E se não tivermos, como diria Machado de Assis, é melhor cair das nuvens do que do segundo andar.

Um Fluminense grande requer pensamento grande, ousadia grande e decisões grandiosas. Porque tudo comunica. Até a decisão sobre onde jogaremos uma decisão – a primeira desde 2012. Confio no julgamento de todos os envolvidos e aviso: seja onde for, eu estarei, como em todas as decisões desde 1973, no estádio.

 

Nota do autor: acho importante esclarecer que já fui algumas vezes ao estádio de Juiz de Fora, cidade de gente hospitaleira, com inúmeros tricolores, da qual gosto muito e onde mora um grande amigo e padrinho da minha filha mais velha. Nenhum dos comentários aqui visa atacar a imagem da cidade. Apenas é preciso reconhecer que seu estádio não está à altura das modernas arenas que foram inauguradas no país, nos últimos anos. Arquibancadas descobertas, infraestrutura limitada de acessos, banheiros e vestiários são alguns desses problema. Acredito que o estádio pode ser um palco melhor do que Volta Redonda para jogos do Estadual e do Brasileirão. Mas não para uma grande final.