Foto: Lucas Merçon/FFC

Na noite da última quarta-feira tivemos uma das piores partidas entre clubes grandes da história do Brasileirão dos pontos corridos. Em um Maracanã vazio e com gramado ruim, o Fluminense recebeu o Palmeiras, que havia sido campeão paulista dias antes, e protagonizou um jogo sonolento e que nos fazia pensar se esse esporte era o mesmo que havia sido praticado horas antes, em solo europeu. Mas isso é um assunto para um próximo texto…

Hoje, na estreia no Raio-X Tricolor, vou analisar alguns pontos da peleja: entre erros e acertos (tiveram acertos?), o que podemos tirar para a sequência do Fluminense nesse complicado Brasileirão.

 
 
 

Não é possível começar a falarmos da partida sem destacar o (evidente) erro na escalação do Fluminense. Odair Hellmann fez duas trocas: Michel Araújo entrou na vaga de Yuri, que estava sem condições clínicas para entrar em campo, e sacou o jovem Marcos Paulo para entrada de Fred, ídolo e capitão da torcida. Aqui temos o 1° ponto interessante para debatermos.

Com essa segunda alteração, Odair conseguiu deixar o Fluminense ainda mais lento e mexeu na melhor peça ofensiva do time: Evanilson. O camisa 99, que vem sendo o grande destaque do Fluminense nos últimos jogos, saiu de sua posição natural para atuar aberto pelo lado-esquerdo. Evidente que não poderia dar certo…

Muitos da torcida ainda tentam justificar: “Marcos Paulo está muito mal, merece sair!” Será mesmo? Mesmo sendo subaproveitado jogando encostado na linha lateral, o jovem ainda é o principal articulador do Fluminense desde que o futebol retomou suas atividades. Confira o vídeo abaixo, com todas as chances de gol que o tricolor criou desde o retorno do futebol até ontem:

Entre a reta final do Carioca, amistosos contra o Botafogo e início do Brasileirão, o Fluminense disputou 10 partidas e conseguiu criar 21 boas chances de gol. Dessas ocasiões de gol, Marcos Paulo foi responsável por 8 delas! Para se ter ideia, os atletas que chegam mais próximos são Gilberto, Nenê e Michel Araújo (esse com apenas 384 minutos jogados) que criaram duas ocasiões de gol.

OBS: A partida contra o Macaé não entrou nas estatísticas devido a ausência de transmissão.

Além do lado criativo de Marcos Paulo ficar provado nesse vídeo, percebemos que nenhuma dessas boas chances criadas veio dos pés de Evanilson em jogadas pelos flancos. A única chance criada pelo centroavante se deu em uma ótima arrancada na final do Campeonato Carioca, quando recebeu em velocidade e na sua posição.

Com uma capacidade técnica acima da média, Marcos Paulo já mostrou que tem um excelente entrosamento com Evanilson. Não à toa, o jovem precisou de apenas 6 minutos em campo para dar a assistência para o camisa 99 tricolor balançar as redes no jogo contra o Palmeiras. E isso abre um ponto para o nosso segundo tema: o ídolo Fred.

Como era esperado quando a escalação foi anunciada, a partida de ontem era um prato feito para o capitão tricolor ter uma atuação terrível. Além de toda a falta de ritmo, Fred é um jogador que precisa atuar em uma equipe que privilegie seus predicados, ainda mais com 37 anos de idade.

Já sem a mobilidade de outros tempos, o maior artilheiro dos pontos corridos ainda pode agregar valor ao Fluminense caso atue em uma equipe que crie para ele. Não adianta esperar que Fred marque gols como os que Evanilson marcou ontem ou crie a chance de gol que o camisa 99 ocasionou contra o Flamengo, depois de uma arrancada de 50 metros.

Fred vai precisar de uma equipe veloz, que chegue ao fundo do campo e consiga fazer a bola estar sempre rondando a área. E, para isso, seria fundamental um esquema que contasse com laterais eficientes e que explorassem a linha de fundo.

Além da clara deficiência técnica que os dois laterais tricolores possuem, o mapa de calor nos deixa claro que o fundo do campo é uma zona quase inabitada no atual esquema de jogo tricolor. Se por um lado Egídio conseguiu avançar bastante na partida ontem, Igor Julião sempre buscava a zona central.

Fazendo uma dobradinha com Nenê, que atua aberto pela direita e sempre puxa para a sua canhota, víamos um Fluminense torto, que não ocupou a linha de fundo pela direita em momento algum na partida. Para jogar assim não faz muito sentido escalar Fred. O resultado foi aquele que vimos ontem: 30 minutos perdidos e de quebra uma lesão muscular.

Aproveitando que falamos sobre Nenê: o mapa de calor acima nos deixa claro que o veterano passa longe de atuar como meia, como sugere Odair. Atuando aberto a maior parte do tempo, o camisa 77 tricolor tem sido um peso na equipe titular desde que o futebol retornou.

Sem nenhum passe para finalização nos últimos 3 jogos do Fluminense e com uma média de 12 perdas de bola por partida na temporada, Nenê tem repetido o nível das atuações de 2019, quando não teve o possante Campeonato Carioca para inflar seus números e terminou o Brasileirão barrado por Marcão.

Porém, diferentemente da maioria das peças do elenco, o meia nunca é barrado (já foi confirmado como titular para o próximo jogo) e é substituído somente na reta final das partidas (isso quando é substituído).

Voltando a falar sobre o jogo de ontem, o Fluminense, mesmo depois das trocas, só conseguiu invadir a área do Palmeiras em boas condições uma única vez na segunda etapa, após boa trama de Paulo Henrique Ganso (que entrou bem) e Egídio.

Muito dessa pobreza ofensiva se deu pela postura da equipe. Após conseguir o empate contra um time mais forte no papel, o Fluminense abriu mão dos 64% de posse de bola da primeira etapa e mudou sua estratégia.

Com as linhas mais baixas, o tricolor usou e abusou das bolas longas para Evanilson, e depois Luiz Henrique, brigarem pelo alto. E nesse momento fica mais claro que o camisa 99, por mais que viva grande fase, ainda tem que trabalhar alguns pontos.

Assim como foi no Fla-Flu decisivo do estadual, o jovem centroavante tricolor não ganhou nenhuma disputada pelo alto contra os zagueiros alviverdes. Em 6 lançamentos que Evanilson recebeu no 2° tempo, em todos Vitor Hugo levou a melhor e somente em 1 o Fluminense ficou com a segunda bola. Situação que se repetiu com a entrada de Luiz Henrique.

Ao todo foram 9 bolas para os jovens disputarem pelo alto. Somente em duas delas o Fluminense conseguiu ficar com a sobra.

Além da falta de criatividade e do excesso de bolas longas, o Fluminense sofreu com transição ofensiva lenta. Em muitas oportunidades conseguimos ver o tricolor recuperar a posse de bola e deixar Evanilson (quase sempre muito recuado) sozinho, para brigar com todos os defensores do Palmeiras. Confira o vídeo abaixo que ilustra um pouco essa situação.

O lance do vídeo acima foi a última jogada de Evanilson na partida. Mesmo retendo a bola por cerca de 10 segundos contra a última linha defensiva alviverde, o restante da equipe do Fluminense não acompanhou o jovem, fazendo com que um eventual contra-ataque se tornasse praticamente impossível.

No mesmo vídeo adicionei um claro exemplo de transição rápida proposto pelo RB Bragantino, do possante Felipe Conceição. Em alguns segundos a menos a equipe paulista conseguiu ficar em uma situação de mano a mano com a defesa do São Paulo e tendo ainda muitos metros de campo para explorar em velocidade.

Fica a pergunta: como tentar um contra-golpe como esse do RB Bragantino com as peças ofensivas que estavam em campo até os 26 minutos da segunda etapa? Difícil, não?

Para ajudar na reflexão do torcedor, deixarei um último vídeo para exemplificar alguns modelos de contra-ataques que o Fluminense poderia utilizar. Peguei como exemplo as partidas finais da FA Cup, quando o Arsenal, equipe mais fraca tecnicamente nos dois embates contra Manchester City e Chelsea, alternou o jogo de transição rápida com a saída em passes curtos para contra-golpear seus oponentes.

No vídeo acima pudemos observar 4 contra-ataques com características diferentes:

Na saída de bola (sim, é possível gerar um contra-ataque sem precisar recuperar a bola)
Explorando o pivô e a infiltração no espaço
Com condução de bola individual
Com lançamento longo para o atacante na velocidade

Por mais que seja evidente que o Arsenal tenha uma condição financeira e técnica infinitamente maior que o Fluminense, ele estava diante de adversários mais fortes no contexto nacional e conseguiu êxito de maneiras diversas, alternando conceitos e propostas de jogo.

Para fechar nossa (longa) análise: de positivo ficou a entrada de Michel Araújo. Por mais que tenha sido uma troca forçada pela lesão de Yuri, o uruguaio pareceu mais útil ao esquema do que Yago Felipe. Mesmo pecando em muitos momentos por um excesso de vontade que se confundiu com afobação, o jovem de 23 anos fez sua estreia como titular em um jogo oficial e correspondeu.

Além do uruguaio, também podemos elogiar Odair por optar por Luiz Henrique ao invés de nomes desanimadores como Caio Paulista. Por mais que o jovem de Xerém tenha passado longe de fazer um bom jogo, somente esse tipo de ousadia pode fazer o Fluminense colher frutos diferentes do que vem colhendo de 2013 para cá…

Um grande abraço a todos e até o próximo Raio-X Tricolor!