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No final de 2013, Maurício Barros, editor da revista PLACAR, me fez um pedido espinhoso. Ele queria que eu escrevesse sobre o imbróglio das punições de Flamengo e Portuguesa no STJD. Digo espinhoso porque é fácil fazer a defesa institucional do Fluminense aqui no NETFLU ou, no caso de alguém que se ache capaz de presidir o clube (insisto que jamais será o meu caso), durante uma campanha política. Já defender o Tricolor de peito aberto na grande mídia – quase totalmente comprada com a ideia de que nosso clube representa o mal da ilegitimidade no futebol brasileiro – o buraco é bem mais embaixo. Poucos jornalistas, se atreveram a isso. No entanto, por um dever de estar ao lado da verdade, que vem antes até mesmo do que a paixão pelo meu time, eu encarei o desafio. Praticamente sozinho, porque, naquela ocasião, todos os dirigentes do clube oscilaram entre a mudez total ou defesas tímidas e titubeantes.

Se por um lado eu tenho e sempre tive opiniões claras sobre o assunto, por outro eu temia ser considerado oportunista, uma vez que me tornei cronista esportivo porque amo o futebol e amo o futebol porque torço pelo Fluminense. Entre externar o que penso ou pecar por omissão, eu preferi os riscos do ofício. Pesou também o fato do pedido ter partido da revista que encheu de cores e heróis as tardes da minha infância e continuou como grande companheira da vida adulta. Em favor deste escriba, registre-se que sempre deixei claro para qual clube torcia. E sempre lutei para impedir que o coração suplantasse a razão, ao menos diante do teclado.

 
 
 

Fiz o alerta na abertura do texto, que em tempos bicudos para os tricolores alguns poderiam chamar de sincericídio, comentei o episódio, não sem antes deixar claro que eu também lamentava profundamente que uma competição esportiva tenha se decidido numa sala de tribunal. No entanto, não podia negar que uma das coisas que mais me chocaram no triste episódio foi o comportamento de alguns setores da imprensa, que decidiram apontar o Fluminense como a besta do apocalipse das viradas de mesa. Seria mesmo? E aí passei a tratar apenas de fatos, que listei detalhadamente na matéria. Convém recordá-los agora, numa semana marcada pelo recrudescimento do furor anti-Fluminense na mídia irracional. Vamos a eles, portanto.

1996: o então presidente do Corinthians, Alberto Dualib, e o do Atlético-PR, Mario Petraglia, foram flagrados em escutas telefônicas negociando o que parecia ser uma comissão para o chefe das arbitragens, Ivens Mendes. Eles mencionaram um pagamento de 1-0-0, o que muitos acreditavam ser uma propina de 100 000 reais para Mendes. Na Itália, a Juventus foi rebaixada por combinação de resultados. No Brasil, o caso não foi adiante e, para não punir Corinthians e Atlético-PR, a CBF decidiu não rebaixar clube algum, o que beneficiou Fluminense e Bragantino. Graças ao estúpido gesto do presidente do Fluminense à época, que estourou o maldito champanhe, ninguém lembra mais do Timão, do Furacão ou do Braga naquele episódio. Tudo passou a dizer respeito ao Fluminense que, insisto, embora beneficiado, não moveu qualquer ação judicial.

1997: o Fluminense foi rebaixado para a Série B. 1998: o Tricolor disputou a Série B e foi rebaixado para a Série C. 1999: o Flu disputou a Série C, sagrou-se campeão e começava a fazer o planejamento para a Série B quando eclodiu grave crise na série A. O pivô foi Sandro Hiroshi, escalado irregularmente pelo São Paulo na vitória de 6 x 1 sobre o Botafogo. Numa decisão polêmica, o STJD não apenas puniu o Tricolor Paulista com a perda de três pontos como os transferiu para o alvinegro, salvando-o do rebaixamento e levando o frágil Gama à degola. Após recorrer e perder em todas as instâncias desportivas, o Gama entrou com ação na justiça comum e conseguiu uma liminar impedindo a CBF de organizar o campeonato sem a sua participação. Foi quando os demais clubes, incentivados pela CBF, criaram o Clube dos 13 e organizaram o campeonato de 2000 como bem entenderam — com todos os integrantes da Série A, exceto o Gama, mais os convidados Fluminense, Bahia, Juventude e América-MG. Mais uma vez, o Fluminense não moveu qualquer ação judicial para garantir vaga na Série A.

E então chegamos a 2013. Mesmo conseguindo uma virada heroica na Fonte Nova, contra o Bahia, o Fluminense voltou rebaixado para o Rio. Seu presidente, Peter Siemsen, já havia concedido uma entrevista coletiva para falar dos planos para a segunda divisão quando explodiu a bomba: Flamengo e Portuguesa escalaram jogadores irregulares na última rodada. As punições eram indiscutíveis e estabelecidas de forma cristalina pelo regulamento da competição. Em votação unânime, o STJD puniu os dois clubes com a perda de quatro pontos, o Flamengo ficou na 16ª posição e a Portuguesa foi rebaixada. Simples assim. E, mais uma vez, o Fluminense não moveu qualquer ação judicial para garantir vaga na Série A.

Faltava, ainda, abordar o problema da mídia, ou de uma parte significativa dela, que insistia e insiste em apontar o Fluminense ora como um clube que se serve de ações na justiça para escapar das quedas, ora simplesmente como uma agremiação corrupta, que participa de esquemas sórdidos para manter-se na elite. Diante dos fatos que expus, perguntei: quem virou a mesa nas três ocasiões? A julgar pelos fatos, a resposta mais óbvia seria Corinthians e Atlético Paranaense em 1996, Botafogo e Gama em 1999, e Flamengo e Portuguesa em 2013. Ao menos foram esses clubes que foram interpelados pela justiça desportiva ou entraram com ações para modificar decisões e resultados. No entanto, o culpado parece ser sempre o Fluminense.

E aí costumam surgir as mais variadas teorias para que o exu-caveira dos gramados, o Fluminense, seja inapelavelmente rebaixado, mesmo tendo a lei ao seu lado. Exemplos? Vários. Os de 2013 beiravam o ridículo. “A Portuguesa é pequena e indefesa”, como se um time da primeira divisão por ter menor torcida pudesse fazer vista grossa para o regulamento que assinou junto com os demais. “A punição com o rebaixamento é desproporcional”, como se a pena não tivesse sido a perda de quatro pontos, que só virou rebaixamento porque a campanha da Lusa foi fraca. “Seis clubes devem ser rebaixados: Fluminense, Portuguesa, Ponte Preta e Náutico, além de Vasco e Atlético Paranaense, que protagonizaram uma abominável batalha campal na última partida do campeonato”. Com base em quê? Em qual regulamento? Por conta da “moralidade”? Ora, eu não poderia achar “moral” que o rebaixamento fosse definido por saldo de gols e não número de vitórias (o Criciúma cairia no lugar do Flu), ou pelo confronto direto (o Fluminense venceu o Criciúma duas vezes)? O que é moral para mim? O que é moral para o amigo leitor? O que é moral para cada um dos meus colegas de imprensa?

A mesma criatividade que algumas pessoas usam para criar regras “morais” segundo seu julgamento pode ser adotada pelos clubes para virar qualquer tipo de resultado. Para evitar isso existem as regras e as leis. Porque não segui-las, amigos, isso sim constitui uma autêntica virada de mesa. Da mesma forma que as leis nos separam da barbárie, a decisão de pintar um clube como malfeitor diante da opinião pública pode levar a coisas tão terríveis quanto à agressão de crianças com a camisa do time do coração e hostilidades em todos os estádios em que Fluminense vier a jogar no futuro. O clube e a sua torcida não merecem, de forma alguma, ser demonizados. Achar imoral que alguém espere que as leis sejam cumpridas é um passo firme na direção da anarquia ou do fascismo. E nós, da crônica esportiva, precisamos estar atentos aos riscos de tratar com a irresponsabilidade de torcedor um assunto de tamanha seriedade.

Nosso clube fez mais uma vez a correta opção pela legalidade e foi buscar na justiça o cumprimento da regra em relação a qual todos os clubes concordaram e assinaram embaixo antes do início do campeonato. Por questões políticas, abrimos mão de ter em nossa defesa o melhor advogado esportivo do país, o que lamento profundamente. Talvez venhamos a perder a ação por uma defesa mal fundamentada. Mas o que não pode acontecer em nenhuma hipótese é vermos nossos líderes institucionais titubeando diante da gritaria dos jornalistas radicais. Nenhum dirigente deve afrouxar diante de pressões dessa natureza – ainda mais quando o que está em jogo é o destino do nosso clube na competição e, muito acima disso, nossa postura de clube que defende a legalidade. Sempre a legalidade.