As variáveis

Foto: Mailson Santana/FFC

As aspirações de Fernando Diniz são enormes. Os resultados, pequenos. Difícil discordar, não?

 
 
 

E entre o sonhado e o realizado há um caminhão de variáveis sobre as quais precisamos refletir.

A primeira é o propósito. E talvez essa seja a mais importante. O time do Diniz o tem, e ele é claro. Ter a bola, propor o jogo, dominá-lo. Eu honestamente acho que um mínimo de critério nas críticas nós, os torcedores, devemos ter. Não dá pra passar a vida toda reclamando do futebol brasileiro, dos treinadores do Fluminense, do modelo bumba meu boi de jogar futebol e, diante de uma evidente alternativa de mudança, começar a queimar o trabalho do treinador. É preciso coerência. O trabalho de Fernando Diniz, enquanto propósito, é muito bom e os riscos enormes que corremos com seu modelo de jogo, na minha visão, são suportáveis se acreditarmos – como eu acredito – que as mudanças de verdade precisam romper com padrões antigos.

A segunda é a qualidade. Os resultados não vieram? Não vieram. É ridículo que comemoremos um quarto lugar geral nesse combalido carioca – atrás de um Bangu –  e um retrospecto de 1 vitória, 1 empate e 4 derrotas em clássicos. Mas não vieram por que? Na minha visão o retrospecto tem muito mais a ver com as fragilidades de um elenco nitidamente mal montado do que com a proposta de jogo, ainda mais num momento evidente de mudança de estilo. Há consenso na gestão de qualquer projeto que os riscos de problemas na implantação das mudanças são mais esperados e se até se  justificam em razão da expectativa de que, após absorvido o novo padrão, o novo supere o velho de forma mais eficiente. Mas a baixa qualidade, além de às vezes inviabilizar melhorias, invariavelmente atrasa os benefícios.

A terceira é a limitação. Com o que o Fluminense pode contar? Estamos em situação praticamente falimentar, com salários atrasados em sequencia, com crédito restrito, com penhoras diárias e – o mais trágico – com uma liderança fora do campo sofrível e incompetente. Infelizmente o cenário que se apresenta não é de ganho, mas de perda. Everaldo tem sido nosso jogador mais decisivo. E é enorme a probabilidade de deixar o clube porque não conseguiremos ou adquirir seus direitos ou, o que é ainda pior, acertar bases salariais adequadas à sua valorização. O dia a dia do tricolor é sempre muito mais voltado a não perder jogadores que se destacam do que sonhar com destaques dos outros. O Fluminense é um grande clube com rotina de clube pequeno.

A quarta é pobreza de espírito. E talvez essa seja a variável mais triste. Não são apenas as moedas que escoam no ralo da incompetência da gestão. Escoam também as ambições. Esse processo é uma cascata, lenta mas constante. Se você acorda todo dia, há quase uma década, ouvindo de sua mãe, mulher ou filho que você é fracassado, que terá dias difíceis, que seu passado te condena e que a culpa é das barbaridades que fizeram com você, meu amigo, você dificilmente terá condições de competir com quem não anda com uma bigorna de más emoções sobre as costas. O Fluminense ainda compete, porque é muito maior que eu ou você. Mas é evidente que a cada dia suas forças vão sendo minadas, sua energia vai sangrando e os dias passam a ser tortuosos. Estamos ou não estamos sentindo isso? O idiota do ex-presidente Peter nos comparava com o Fulham. De maldade, de mesquinho que era. Provavelmente não sabe nem o que é Fulham, mas certamente não sabe o que é Fluminense. Peter é um cara de espírito pobre, fraco, claudicante. E mesmo assim elegeu – nas miseráveis entranhas políticas do clube – um sucessor que é a cara do fracasso e que se comunica com o torcedor com a segurança de um bebê segurando uma taça de cristal.

A quinta, e na minha visão, a última grande variável, é o descolamento da torcida. Amigos, culpar a torcida é de uma burrice siderúrgica. É como culpar o corpo pela doença. A torcida nunca é a culpada. Nunca. Ela é o Fluminense. E até por ser o Fluminense, sua desconexão com os times forma um problema que precisa ser solucionado. Torcedor quer ver bom time? Obviamente. Quer ser campeão? Claro que quer. Mas acreditem, a história mostra, comprova, que não são os títulos que fazem a torcida se envolver com seu clube. As duas maiores torcidas do país, Flamengo e Corinthians, cresceram exponencialmente nos maiores períodos de seca. E esse é um dado concreto. O torcedor quer ser determinante, quer pertencer, quer sentir que o clube precisa dele mais do que ele do clube. O amor, afinal, é isso. É doação. E o que fazemos na arquibancada é pura doação. Nossos dirigentes janotinhas jamais perceberam isso. A arquibancada está jogada às traças, o esforço institucional do clube de movimentá-la é nenhum e para quem não é sócio torcedor do clube a experiência jogo de futebol é um verdadeiro inferno. Ninguém sai de casa para o estádio com prazer de mandar o presidente tomar naquele lugar. Torcedor só vai se achar que há uma razão para estar ali. E se quisermos estádios cheios como em 2008 por exemplo, precisamos criar essas razões. Mentalidade vencedora, segurança nos dirigentes, impulso para novos torcedores e respeito aos antigos.

Amigos, depois de um Fla x Flu terrível como o de ontem, que trouxe a todos nós uma péssima noite e trará um fim de semana de merda, me parece ser bem mais útil olhar para frente do que ruminar as cagadas que vimos. Pensar no que precisa ser feito, discutir de forma franca. Mas sem deixar de entrar no “agora”, se me permitem um conselho do fundo da alma aí vai: vamos apostar no Diniz. Vamos romper com o modelo pasteurizado do futebol brasileiro que certamente levará um time sem recursos como o nosso pro buraco. Mesmo sem os resultados esperados, não dá pra ninguém dizer que não estamos competitivos. Muito ao contrário. Hoje vejo o Fluminense capaz de equilibrar contra qualquer um. Será que veria se tivéssemos um Marcelo Oliveira comandando esse elenco?

O caminho está cheio de armadilhas mas está sendo caminhado com esperança. Que os erros desse Carioca ridículo e de cartas marcadas sirva de aprendizado. Temos muito mais pela frente.

O Fluminense é muito maior que esse Fluminense.

Curtas

– Rapidinho sobre o Jogo. Não vi nó tático nenhum do Abel como estão dizendo. Vi marcação alta que era um convite ao jogo do Diniz e vi nosso time incapaz de vencê-la. Vi nosso meio de campo frouxo na marcação, principalmente após a saída do Airton e vi as dificuldades de sempre para criar chances agudas. O Fluminense se acovardou por falta de visão do jogo. Como não conseguiu jogar, recuou. Com um a mais e nosso estilo, combinado com um adversário que tinha que sair pro jogo, era pra termos feito gol atrás de gol. Ganso precisa assumir sua condição de craque. Não pode ser o Sornoza. Gilberto precisa assumir sua condição de Gilberto. Não pode ser o Carlos Alberto Torres. E o Leo Santos precisa assumir sua responsabilidade e pedir desculpas para todos. Não me interessa se é promessa, garoto ou se acha craque. Está jogando um clássico e tem que ser responsável.

– Marcelo de Lima Henrique é Marcelo de Lima Henrique. Roubou o Fluminense como sempre fez na vida. É de confiança da FERJ. Não precisa dizer mais nada. A análise do VAR no gol no primeiro minuto é de uma cretinice que poucas vezes vi no futebol. Mas na boa, o Fluminense mereceu perder pelo que não fez. Roubalheira esperada – e consumada – à parte, a eliminação foi justa.

– De onde estava, logo após a marcação do pênalti pros caras, vi um Flusócio dando faniquito e reclamando de Deus e o mundo. Correu loucamente esperneando sei lá contra quem. Corajoso o cara é. Me lembrei do meme e meu primeiro sorriso depois de ontem veio agora: “eu vi um Flusócio correeendo”.

– Toma vergonha na cara e suma rápido, Abad. Você faz mal ao Fluminense.